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TJMG admite recurso especial do MPMG em IRDR relacionado à falta de água após queda da barragem em Mariana

Governador Valadares (MG) – (Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios/Divulgação)

O TJMG admitiu, no dia 14 de janeiro, o recurso interposto pelo MPMG em face do acórdão de mérito proferido em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) requerido pela empresa responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. Na época, a tragédia provocou a interrupção do fornecimento de água pelo sistema público de distribuição nas cidades que captam água do rio Doce.

A decisão alterou o cenário do julgamento concluído em outubro de 2019 pela 2ª Seção do TJMG, quando foi definido o valor de R$ 2.000 como indenização a cada pessoa atingida. Na ocasião, também foram acatadas quatro outras teses sobre os danos causados aos moradores do Vale do Rio Doce relacionadas à legitimidade para a ação, à comprovação da condição de vítima, à prova do dano moral nos casos de dúvida sobre a qualidade da água e aos critérios de extensão dos danos.

O recurso especial impetrado pela Procuradoria de Direitos Difusos e Coletivos apontou violações à lei federal contidas no acórdão que admitiu o incidente (cabimento do recurso especial, incompetência do TJ para julgar IRDR de ações em trâmite no Juizado Especial, instauração de IRDR em matéria fática para tarifação do dano moral); bem como no acórdão que apreciou o mérito (negativa de prestação jurisdicional; inobservância da ampla defesa, ao não se admitir a participação das partes e dos terceiros interessados; tarifação do dano moral e desproporcionalidade do valor fixado).

Na análise da matéria, o Desembargador Newton Teixeira Carvalho acolheu a apelação excepcional pelo primeiro fundamento e explicou: “admitido o recurso por um fundamento, as demais teses serão submetidas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – art. 1.034, parágrafo único, do CPC”. Na decisão também determinou que a tramitação dos processos no Estado de Minas Gerais permanece suspensa, porque “o presente recurso especial possui efeito suspensivo automático” (art. 987, § 1°, do CPC). Com informações do MPMG)

Trabalho em conjunto
O Procurador de Justiça da Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos Antônio Sérgio Rocha de Paula e o Promotor de Justiça e coordenador estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo, Leonardo Castro Maia, que atuaram conjuntamente no caso, concederam detalhada entrevista ao AMMP Notícias sobre a decisão do TJMG. Leia abaixo.

Procurador Antônio Sérgio Rocha de Paula

1) Como se deu a atuação do MPMG no incidente de resolução de demandas repetitivas no caso Samarco?

O IRDR é uma das novidades do CPC/2015. Nas demandas repetitivas que versem sobre a mesma questão de direito, o incidente permite o julgamento conjunto com o objetivo de proporcionar celeridade, segurança jurídica e isonomia. Nesses casos, o Tribunal suspende o andamento das ações, escolhe uma ou mais para decidir como modelo e fixa a tese para ser aplicada às demais.

O IRDR da Samarco tratou das ações referentes à interrupção do fornecimento de água pelo sistema público de distribuição nas cidades que captam água do Rio Doce, em decorrência do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, no ano de 2015. O julgamento afetará mais de cinquenta mil ações de indenização.

No MPMG, juntamente com a Procuradora de Justiça Fé Fraga França, estabelecemos uma atuação conjunta das Procuradorias (DDC e Competência Originária do PGJ) com as seis Promotorias de Justiça das localidades atingidas, coordenadas pelo Promotor de Justiça Leonardo de Castro Maia, que na época exercia suas funções em Governador Valadares.


2) Em relação à primeira e segunda instâncias, como se deu a interação da atuação do MPMG?
Traçamos uma estratégia comum de atuação. Elaboramos parecer, peças processuais, memoriais, juntamos muitos documentos defendendo o posicionamento do MP, tudo em conjunto. Foram quase 50 e-mails trocados pelo grupo. Participamos de três sessões no TJ, entregamos três memoriais para cada um dos onze Desembargadores. Na sessão que iniciou o julgamento do mérito, em abril de 2019, participei em conjunto com o Promotor Leonardo de Castro Maia, que fez a sustentação oral. Foi a primeira vez que um Promotor de Justiça atuou no Tribunal. Penso que esse trabalho resultou numa intervenção mais qualificada. Algumas teses restritivas sugeridas pela Samarco – por exemplo, a limitação dos legitimados aos titulares de contas de água e a fixação da indenização no valor médio de R$ 176,74 – não prevaleceram.

3) Quais foram as teses firmadas no IRDR?
Uma das definições do julgamento – concluído pela 2ª Seção do TJMG em 24.10.2019 – foi a fixação do valor de R$ 2.000,00 como indenização a cada pessoa comprovadamente atingida, além do acatamento de quatro outras teses sobre os danos causados aos moradores do Vale do Rio Doce relacionadas à legitimidade para a ação, à comprovação da condição de vítima, à prova do dano moral nos casos de dúvida sobre a qualidade da água e aos critérios de extensão dos danos, as quais serão observadas no julgamento dos casos semelhantes.

4) Conte-nos um pouco sobre os principais pontos da primeira sustentação oral feita por Promotor de Justiça no Tribunal sobre o caso.

No IRDR, o tempo para sustentação oral é de trinta minutos; o dobro dos recursos cíveis. Dividimos entre nós esse tempo: fiz uma introdução, expliquei ao TJ sobre a possibilidade de participação do Promotor de Justiça na Segunda Instância (o CNMP, em 2017, e a Câmara de Procuradores de Justiça, em 2019, regulamentaram a matéria) e passei a palavra ao Promotor Leonardo, que se saiu muito bem. Ele conviveu diretamente com os problemas decorrentes do rompimento da barragem de Fundão desde o início, por isso falou sobre fatos que só mesmo quem os vivenciou poderia relatar. Isso é importante no processo de decisão. A experiência foi muito positiva.

5) O MPMG recorreu da decisão do TJ?
Sim. Esse caso teve uma peculiaridade. As partes dos processos originários não foram admitidas no IRDR, o que provocou vários recursos internos, todos negados. O recurso do Ministério Público do Estado de Minas Gerais assumiu, portanto, grande importância para levarmos aos Tribunais Superiores as questões debatidas. A decisão, mais uma vez, contou com a participação dos Promotores de Justiça, que se reuniram com os autores das ações e seus advogados.

6) Qual é o andamento atual do IRDR?
No final de 2020, em relação aos recursos do MPMG, o Terceiro Vice-Presidente do TJMG admitiu o Recurso Especial e sobrestou o Recurso Extraordinário até o julgamento do primeiro.
Como nosso recurso é bem abrangente, o STJ poderá analisar novamente as matérias decididas pelo TJMG, inclusive aquela relacionada ao montante da indenização, que divergiu do valor mínimo de R$ 10 mil apontado como razoável pelo Ministério Público. Além disso, há várias questões debatidas no recurso que são inéditas no STJ. Assim, a citada Corte Federal terá oportunidade de apreciá-las para uniformizar a jurisprudência sobre o IRDR.

Promotor de Justiça Leonardo Castro Maia

1) Como se deu a atuação do MPMG no incidente de resoluções repetitivas no caso Samarco? Quais foram as teses firmadas no IRDR?
O caso do desastre da Samarco, em razão do rompimento da barragem de rejeitos em Fundão causou uma série de danos socioambientais e socioeconômicos, além de provocar inúmeras alterações adversas nesse meio ambiente. São alterações capazes de prejudicar a saúde das pessoas, a segurança, o bem-estar. Foram geradas situações desfavoráveis às atividades socioeconômicas e entre esses danos, um que chama muito a atenção, que teve um impacto muito forte na vida das pessoas: o comprometimento da boa e contínua prestação do serviço de abastecimento de água. Então, além de todas as questões envolvendo a fauna, a flora e a questão sanitária do meio ambiente, esse lançamento de substâncias em um patamar muito acima dos padrões estabelecidos acarretou na impossibilidade do tratamento de água. Essa onda de rejeitos interrompeu o fornecimento de água em várias localidades ao longo da bacia do Rio Doce.
É nesse contexto em que milhares de ações foram propostas em vários locais, mas chama a atenção, em Minas Gerais, Governador Valadares, dado o número de habitantes. Houve uma série de ações tratando questões de saúde, de reações que as pessoas tiveram. Mesmo com a retomada do abastecimento de água depois do dia 15 também havia ali um temor muito grande, um medo de consumir aquela água. A qualidade da água servida à população passou a ser muito questionada e alguns momentos. Na ocasião chegou a ser constatado o não-atendimento a padrões de portabilidade. O volume de alumínio e a turbidez foram parâmetros que eventualmente ficaram acima do patamar da norma do Ministério de Saúde que regulamenta a qualidade da água. Muitas pessoas ficaram com receio e independentemente da qualidade da água na ponta de linha, as pessoas passaram a não consumi-la. Isso gerou um problema para a reputação do serviço público, e como é um serviço de saneamento, ele precisa muito dessa reputação, porque é universal.

Milhares de ações foram propostas na justiça e essas ações acabaram ensejando, por iniciativa da Samarco, o requerimento de processamento ou de instauração do Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva.

Naquela ocasião, os juízes começaram a fixar indenizações por danos morais em patamares que estavam por volta de R$ 10 mil por pessoa. E a empresa, via Fundação Renova, que foi instituída pelas empresas responsáveis para fazer a reparação, tinha iniciado o que ela chamou de programa de indenização mediada, embora nesse programa não houvesse mediação alguma, era uma espécie de acordo de adesão em que ela oferecia R$ 1.000 por danos morais para as pessoas que tinham sido atingidas por esse problema da falta de água. Em uma cidade como GV por exemplo, significa virtualmente toda a população da cidade.

A Samarco se valeu do IRDR levantando a possibilidade de decisões divergentes e contraditórias pelos juízes de primeira instância, embora isso não tenha sido evidenciado no procedimento, porque as decisões vinham sendo aplicadas, no geral, dentro de uma mesma linha e com valores semelhantes. O IRDR trata só de questões de direito, não foi concebido para tratar de questões de fato. E esse IRDR é julgado e processado pelo tribunal de segundo grau. Essa uniformização não é feita pelo juiz de segunda instancia. Nos IRDR’s, o MP sempre participa como um defensor da ordem jurídica. Portanto, o MP, por meio do órgão de execução que ele tem de segunda instancia, o Procurador de Justiça participaria naturalmente desse IRDR.

No primeiro momento, a Procuradora de Justiça encarregada manifestou no IRDR pela sua inadmissibilidade. Porque as questões levantadas pela empresa girando em torno do valor aplicado, de quem deveria ser beneficiado ou requerer a indenização, essas questões não são unicamente de direito, são questões de fato. Todas dependem de algum tipo de prova, inclusive uma das teses era justamente essa: qual a prova, qual o documento? Como a pessoa pode demonstrar a condição de atingido por esse dano?

O Tribunal de Justiça, contudo, acabou admitindo o IRDR. E aí se coloca para o MP, mesmo tendo ele opinado anteriormente pela inadmissibilidade, ou seja, pelo não conhecimento, pela não instauração do incidente, a manifestação sobre o mérito do incidente, sobre as teses que foram submetidas a conhecimento e decisão pelo tribunal.

No mérito, a Samarco alegou 5 teses: a primeira, estabelecendo quem é o titular do direito de pleitear o fornecimento ou indenização por danos morais tendo como causa de pedir a suspensão do abastecimento de água. A segunda tese dizia respeito a qual seria o meio inidôneo de prova para pessoa pleitear a indenização ou fornecimento de água. A terceira tinha a ver com o receio pela qualidade da água, se ela por si só seria capaz de gerar responsabilidade pelo dano moral. A quarta seria quais os parâmetros a serem considerados para identificação da ocorrência e valoração dos danos morais decorrentes dessa suspensão. A última tese tinha relação com a uniformização de parâmetros para o arbitramento da indenização. Na verdade, essa tese leva à rarefação do dano, pois buscava fixar o valor a ser arbitrado para cada caso de pedido de indenização por dano moral.

No mérito, o MP tratou dessas teses. A legitimidade não tinha nada a ver com ser ou não consumidor de água. Qualquer pessoa poderia ter sido afetada pelo desastre, até porque se trata de uma responsabilidade extracontratual, incompatível com a exigência da condição de consumidor do serviço de abastecimento de água. Entendemos que a legitimação seria a mais ampla possível. Outra questão argumentada por nos foi que havia uma obrigação pendente no cadastro de atingidos: havia um acordo firmado e esse cadastro de atingidos estava ainda aberto. Não poderíamos criar na decisão da IRDR, uma restrição dada a obrigação que as empresas já haviam assumido no TAC. Ainda nessa linha, tratamos da questão da reparação integral: se o objetivo é fazer uma reparação integral, previsto no artigo 25 da lei e no objetivo de facilitar o acesso à justiça, não podíamos ter uma legitimidade restritiva, pelo contrário, deveria ser uma legitimidade ampliativa.

Para a segunda tese, que tinha a ver com o meio de comprovação da legitimidade ativa, o MP argumentou que deveriam ser admitidos todos os meios de prova. Não só conta de consumo, pelas razões decorrentes da tese anterior, e também porque o próprio Código do Processo Civil de 2015 admite essa variedade de meios de prova. Não existe uma hierarquia entre os meios de prova e nem uma limitação. A regra é que as partes tenham direito de entregar todos os meios de prova legítimos moralmente, ainda que não especificados na legislação. Outra situação que foi considerada é a de atingidos em localidade que havia distribuição de água e que essa distribuição ficou prejudicada, mas que não havia remuneração pelo serviço. Pequenas localidades, até municípios que prestam serviço, têm encanamento, têm distribuição, mas não cobram nada, não têm conta de água. As pessoas não poderiam ser prejudicadas por essa exigência de apresentar conta de água.

Também havia uma questão interessante. A jurisprudência do STJ admite prova testemunhal para casos semelhantes. E que nesse acordo que eu mencionei, de transação e compromisso de ajustamento de conduta, havia ali, uma disposição conferindo uma possibilidade de o atingido utilizar qualquer documento, inclusive documento firmado de próprio punho. Ou seja, ele firmando uma declaração por se colocar naquela condição, informando e assumindo responsabilidade da condição de atingido. Se ele podia fazer assim, não havia sentido em obrigá-lo a apresentar uma conta de água.

Também foi ponderado para o Tribunal de Justiça que o caso trazia uma lógica de inversão do ônus da prova. Dadas as feições socioambientais que o caso tem, o fato de que se trata de uma origem comum, que liga todas as pessoas atingidas, ensejaria a incidência do princípio da precaução, da prevenção, também previsões expressas na Lei 6.939/2018, que é a Política Nacional de Meio Ambiente. Há atualmente uma jurisprudência firmada objeto da Súmula 618 do STJ também preconizando a inversão do ônus da prova.
Sobre a tese 3, tinha a ver com a caracterização do dano moral. Em razão do receio sobre a qualidade da água, nós sustentamos que se tratava de um dano que a gente chama de “in re ipsa”. Ele está atrelado à própria circunstância do fato. Ou seja, uma simples interrupção do abastecimento público por vários dias e assim como a quebra da confiança e esse temor sobre a qualidade da água, por si só, essas questões caracterizam o dano.

Citamos algumas situações, como a revolta da população e citamos também jurisprudência. Casos em que o tribunal decidiu, que dadas as circunstâncias, esse tipo de dano “in re ipsa” dispensa comprovação de prejuízo. Então ele dispensa a comprovação do prejuízo extrapatrimonial, sendo suficiente a prova do fato. O fato aconteceu. É a interrupção do abastecimento. Se houve a interrupção de um serviço essencial, o resultado danoso é presumido.

Sobre a tese 4, que são os parâmetros a serem utilizados para a aferição do dano moral, o primeiro ponto é que a empresa havia adotado medidas emergenciais, e que isso afastaria ou mitigaria a responsabilidade dela. Nós sustentamos que ela adotou essas medidas em razão de ações que foram propostas pelo próprio Ministério Público, anteriormente. Portanto, a adoção de medidas obrigatórias e emergenciais não afastariam o dano nem reduziria a indenização. Uma outra questão foi a capacidade econômica das empresas. Já que essas empresas estão entre as maiores do mundo, a capacidade econômica deve ser levada em consideração na fixação do dano. Se a fixação dos danos tem caráter pedagógico para as empresas envolvidas e para o setor minerário, não teria sentido que o valor fosse fixado em patamares reduzidos. Ele tinha que ser fixado à altura dos fatos, à altura das responsabilidades e ao porte dessas empresas. É um caso paradigmático, único que define um precedente de indenização, inclusive, para casos semelhantes.

A tese 5, que está relacionada com a tese 4, diz respeito ao valor, e a empresa queria fixar um. Por sinal, a Samarco propôs que fosse fixado pelo tribunal o valor correspondente a duas contas de água, na época do ocorrido. Por exemplo, em Governador Valadares, a cidade com a maior população e que foi atingida por esse problema na bacia do Rio Doce, essa dupla conta de água significaria, na média, de acordo com informações que coletamos junto ao prestador de serviço, um valor de indenização de R$ 176,64. Porque o valor médio pago pelo usuário, era de R$ 82,30. Esse valor não considera apenas pessoas físicas, mas considera todos os usuários da cidade, algo em torno de 90 mil usuários. Esse valor pela interrupção de um serviço essencial à saúde humana, à sobrevivência, seria irrisório. É uma quantia absolutamente insuficiente para fazer frente aos danos. Esse patamar estava muito abaixo do mínimo praticado pela empresam via Fundação Renova, de R$ 1 mil. Era algo insignificante perto da Jurisprudência praticada pelo STJ para uma série de outras questões. O STJ tem danos morais, por exemplo, em casos de rompimento de tubulação de rede de água, de R$ 10 mil fixada contra a concessionária. Tinha indenização de R$ 8 mil em casos de interrupção do fornecimento de água, e nada disso está tratando de desastre. Nosso caso é muito pior, já que vai muito além da relação entre fornecedor e consumidor. Nesse ponto, o que nós consideramos foi o que vinha sendo aplicado pelos juízes, o que girava, em média, em torno de R$ 10 mil. E como se trata de um Incidente de Resolução e Demanda Repetitiva, a proposta foi no sentido de que fosse definido o valor de R$ 10 mil, no mínimo. A gente não teria um valor único, mas um patamar mínimo, assegurada a possibilidade de majoração pelos juízes de primeira instância.

A primeira tese firmada pelo Tribunal foi que seria legitimada ativo para a interposição de ações em que se busca o fornecimento de água e/ou a reparação de todo aquele que na petição alegou estar na localidade abastecida pela captação de água. Nessa tese prevaleceu o ponto sustentado pelo Ministério Público. A segunda tese firmada foi que para fins de comprovação dessa legitimidade, a parte autora deve apresentar documentos variados, não apenas a conta de água. Pode apresentar conta de luz, telefone, cartão de crédito, correspondência bancária, TV por assinatura e correspondência de órgão públicos. Na falta dos documentos, a pessoa poderá, ainda, apresentar justificativa a ser considerada pelo magistrado. A única questão que eu ponderaria com relação à tese de comprovar a situação é que ela não inverteu o ônus de prova. Mas na prática o efeito foi bastante convergente com o que o Ministério Público sustentou no Tribunal de Justiça.

Com relação ao valor, que foi a última tese, o tribunal considerou alguns elementos, como o tipo de alegações apresentadas pelas partes, que o dano moral se caracterizaria com a simples interrupção do fornecimento, o efeito multiplicador dessa decisão, considerado o universo de pessoas atingidas e a verificação do momento em que as partes peticionaram. O tribunal também definiu um valor de R$ 2.000 por pessoa. Isso também se distanciou daquilo que havíamos postulado. Nós não queríamos que fosse fixado um valor, mas se acontecesse, que fosse um valor mínimo de R$ 10 mil.

2) Em relação à primeira e segunda instâncias, como se deu a interação da atuação do MPMG?
Nesse caso, a relação foi de altíssimo nível. Nós já estávamos atuando em várias situações junto ao PGJ, que fez a sustentação oral e em casos relacionados ao desastre. Foram várias ações, vários recursos, e essas questões todas acabaram acarretando um diálogo muito intenso entre os órgãos. Em alguns casos nos deslocamos para acompanhar o Procurador de Justiça Antônio Sérgio Rocha de Paula e outros Procuradores de Justiça, à exemplo da Dra. Fé Fraga França. Estivemos com ela para explicar o caso, porque nós estávamos acompanhando em primeira instância e conhecíamos o processo.

Frequentemente, estávamos em contato com os Procuradores de Justiça munindo-os de informações para que tivessem sucesso e mais facilidade na atuação dos desdobramentos na segunda instância. Foi uma atuação muito rica para nós da primeira instância.

3) Conte um pouco sobre os principais pontos da primeira sustentação oral feita no tribunal de justiça sobre o caso.
O Ministério Público, nos casos de IRDR, se manifesta após as partes. Nesse caso nós tivemos uma circunstância muito importante que foi o fato de não terem sido admitidos vários advogados que postulavam o direito de se manifestar em um IRDR. Na nossa perspectiva, isso prejudicou bastante o contraditório que deve haver em todo processo, que é você ouvir os lados com posições e percepções distintas e argumentos variados para que então o juízo possa firmar sua convicção. Nesse caso, só havia para a manifestação, no dia, a própria empresa suscitante. Se não houvesse o Ministério Público, somente a empresa manifestaria ao tribunal. O Ministério Público não estava em defesa de indivíduos que queriam se manifestar, mas como fiscal da ordem jurídica, ele tinha muito a contribuir para evidenciar os fatos para o tribunal e para formação do convencimento desses juízes.

Nesse caso, específico, nós contamos com a generosidade do Procurador de Justiça Antônio Sérgio, que é um membro do MPMG de atuação muito destacada. Ele estava atento a uma normativa do CNMP que buscava promover essa relação entre primeira e segunda instância. Ele entrou em contato conosco, e nós combinamos de fazer sustentação oral juntos. Em princípio houve uma discussão no tribunal sobre a possibilidade da admissibilidade da manifestação pelo membro da primeira instância. O relator do IRDR se mostrou inclinado a não permitir a nossa sustentação oral. Nós ponderamos com ele e acabamos superando essa questão. O Dr. Antônio Sérgio fez a introdução, explicou umas questões do fato e na sequência eu tive a honra de participar sustentando acerca das cinco teses.

Uma questão que nós nos atentamos foi o tempo. Eram muitas teses e difíceis de explicar e só tínhamos 30 minutos. Felizmente passamos por todas teses e exaurimos aquelas questões que nós sentíamos que devíamos colocar para o Tribunal de Justiça. Vários Desembargadores, ao final da sessão, pediram vista dos autos com as notas taquigráficas da sustentação oral do Ministério Público e pontuaram a importância do Promotor de Justiça da primeira instância, considerando o conhecimento que ele tinha sobre os fatos e a situação na comarca.

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