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O Tribunal do Júri e o Juiz de Garantias

 Por José Acácio Arruda, promotor de Justiça aposentado



A recente lei nº 13.964/2019 instituiu o chamado juiz de garantias, através da introdução no Código de Processo Penal de cinco novos artigos: 3ª-B; 3ª-C; 3º-D; 3º-E; e 3º-F.



As justificativas para a instituição do juiz de garantias são as seguintes:



– A imprescindibilidade de atuação do poder judiciário na fase de investigação dos delitos, para garantir que a investigação não atente contra os direitos e garantias individuais dos indivíduos e seja realizada dentro da legalidade;



– A provável perda da imparcialidade do juiz que atuou na fase de investigação, deferindo medidas cautelares de produção de provas (buscas e apreensões domiciliares, interceptação telefônica e de comunicação de dados) e decretando prisões cautelares;



– A separação da função de garantia da legalidade da investigação da função de julgar a ação penal, preserva a imparcialidade objetiva do juiz que julga a ação penal.



imparcialidade é tida como uma condição inerente ao juiz. Não pode ser juiz se não for imparcial. Para assegurar essa condição, o CPP estabelece hipóteses de impedimento ou suspeição do juiz. Se o juiz incorrer em alguma delas, presume-se que ele não seja imparcial, e por essa razão não poderá exercer a jurisdição no processo penal (artigo 251 a 256 do CPP). Além disso aos juízes são dadas garantias para que sejam independentes e assim manter sua imparcialidade no julgamento do processo: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 95).



O direito de ser julgado por um juízo imparcial tem sido aclamado em cartas constitucionais, tratados e em declarações universais de direitos.



A criação do juiz de garantias no Brasil parece cópia do “giudice de indagini preliminar”, previsto no “Codice di Procedura Penale” italiano. No processo penal italiano, o chamado “juiz de audiência preliminar” tem competência para, durante as investigações, autorizar medidas necessárias à investigação e que necessitam de autorização judicial.



A ideia do juiz de garantias também vem na esteira da doutrina que se desenvolveu após o julgamento do caso Piersack vs. Bélgica pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) em 1982. Essa doutrina desenvolveu a distinção entre imparcialidade subjetiva, e a imparcialidade objetiva. A imparcialidade subjetiva se afere da inexistência de uma relação entre o juiz e as partes, quando o juiz tem uma distância equitativa das partes, necessária para um julgamento imparcial. A imparcialidade objetiva se afere da convicção que o juiz passa de sua imparcialidade. Não basta ao juiz ser imparcial, ele deve parecer imparcial. Algo como “a mulher de César deve ser honesta e também parecer honesta”.



Infelizmente importou-se uma doutrina advinda de países que tem organização judiciária diferente da nossa e leis de processo penal diferentes (Europa Continental), e até mesmo sistema jurídico diferente (Reino Unido e Estados Unidos). Apenas para mostrar a inadequação dessa importação, no citado caso Piersack vs. Belgica, o TEDH, ficou decidido que não podia ter atuado como juiz um magistrado que antes havia funcionado como representante do Ministério Público no mesmo caso. Ora, esse tipo de impedimento já estava previsto no CPP brasileiro desde 1941 (art. 252). Noutros casos o mesmo TEDU decidiu que o juiz que decide pedidos cautelares da polícia judiciária e examina a situação prisional do réu antes do julgamento não fica impedido para o julgamento da ação penal ( Ex.:Caso Sainte-Marie vs. França, 1992; Caso Fey vs. Áustria, 1993; Caso Padovani vs. Itália, 1993; Caso Nortier vs. Países Baixos, 1993).



Mas uma vez importada a doutrina, o ambiente garantista que se instalou nos meios jurídicos brasileiros permitiu que ela criasse raízes aqui, e fosse adotada como justificativa para a criação do juiz de garantias, sem qualquer preocupação de harmonizar o novo instituto com a organização judiciária e o processo penal brasileiros.



A influência garantista já aparece no nome: juiz de garantias. Poderia ser juiz de investigações, juízo preliminar criminal, etc.



Nessa linha de mera cópia, sem a necessária adaptação, o juiz de garantias vai surgir como sendo necessário para a preservação da imparcialidade objetiva. O juiz que defere a prisão preventiva e depois julga a ação penal pode ser imparcial nas duas decisões, mas por ter proferido uma decisão anterior contra o acusado, sua imparcialidade para proferir a decisão seguinte fica posta em dúvida. Outro exemplo: o juiz que recusa a promoção de arquivamento do inquérito policial, aplicando o artigo 28 do CPP, não parecerá imparcial se depois vier a julgar a ação penal que for proposta por determinação do Procurador Geral de Justiça.



Assim, o juiz que acompanha a fase de investigação, decidindo sobre medidas cautelares, não pode ser o mesmo que irá julgar a ação penal subsequente, porque não terá o requisito da imparcialidade objetiva, isto é, não parecerá ser imparcial. Ficam dúvidas se suas decisões anteriores não influenciaram as decisões posteriores. O juiz que decretou a prisão preventiva do acusado estaria mais propenso a condenar o mesmo acusado.



A partir dessas ideias o juiz de garantias foi previsto no Projeto de Lei do Senado 156/2009, que propunha um novo Código de Processo Penal. No entanto esse projeto de lei, aprovado no Senado, ficou parado na Câmara dos Deputados. O juiz de garantias só vai ganhar vida quando fatos mais recentes ocorridos durante a chamada “Operação Lava a Jato” fizeram com que o Congresso Nacional, em evidente oportunismo, apresentasse uma emenda ao projeto de lei proposto pelo Poder Executivo, que ficou conhecido como Projeto de Lei Anticrime do Ministro da Justiça Sérgio Moro. O projeto, desfigurado pelo Legislativo antes de ser aprovado, e que depois teve várias partes vetadas pela Presidência da República, acabou sancionado com a disposição que institui o juiz de garantias no processo penal brasileiro.



A nova lei insere no CPP o artigo 3º-B, cujo caput define o que é o juiz de garantias:

“O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, …”



E nos seus 18 incisos fixa a competência do juiz de garantias.



Não foi a melhor técnica legislativa instituir o juiz de garantias através de um novo artigo no Livro I, Título I, do CPP. A investigação criminal é regulamentada no Título II do Livro I do CPP, e a competência jurisdicional é regulamentada no Título V do Livro I do CPP; e as hipóteses de impedimento previstas no Título VIII, capítulo I, do Livro I.



Dessa forma, a instituição do juiz de garantias ignorou a melhor técnica legislativa, pela qual deveria dispor no Título II do Livro I do CPP que toda investigação criminal deve estar sob a jurisdição do juiz de garantias; no Título V do Livro I fixar a competência desse juízo; no Título VIII do Livro I fixar o impedimento do juiz de garantias para a ação penal; e harmonizar a nova instituição com as diversas formas procedimentais previstas no CPP e em legislação complementar.

A má técnica legislativa aparece ainda no artigo 3º-D, o qual dispõe que “nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo”. Ocorre que os artigos 3º e 3º-A até o 3º-F estão contidos no Livro I, Título I, do CPP, onde não existe subdivisão em capítulos.



O legislador optou pela técnica do “puxadinho”.



A técnica legislativa do “puxadinho” tem parâmetro na construção civil. Não querendo ou não podendo fazer uma reforma na estrutura principal do prédio para construir um novo aposento, o construtor faz um “puxadinho” no prédio. Assim, o que antes se apresentava como uma edificação simétrica, feita dentro dos princípios da arquitetura, onde cada aposento se comunica aos demais de forma harmônica, passa a ser uma edificação assimétrica e desarmoniosa, onde é preciso dar voltas inadequadas para se chegar ao novo aposento.



O “puxadinho” foi colocado no Código de Processo Penal de forma abrupta, pois sequer constava no projeto de lei encaminhado pelo Executivo. Foi inserido como uma emenda ao Projeto original. E por não usar de boa técnica legislativa apresenta desarmonias com outras disposições do CPP, gerando muitas dúvidas de interpretação e aplicação. Levarão anos para o Judiciário estabelecer um entendimento uniforme.



Pela nova regra estabelecida no artigo 3º-D, o juiz que conhecer do caso durante a fase de investigação criminal ficará impedido de funcionar como juiz na respectiva ação penal (Essa disposição deveria ser um novo inciso ao artigo 252 do CPP).



O artigo 3º-C estabelece uma exceção à regra do artigo 3º-D: “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”.



É evidente a má técnica legislativa. A exceção à regra vem antes da regra.



A desarmonia causada pela técnica legislativa do “puxadinho” aparece claramente quando se trata de crimes de competência do Tribunal do Júri.



Os crimes dolosos contra a vida não podem ser julgados pelo juiz togado, mas pelo Tribunal do Júri. Trata-se de regra de competência prevista na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d). Ao juiz togado cabe presidir o julgamento e proferir sentença que fixa a pena no caso de o Júri proferir um veredicto condenatório.



Por conseguinte, fica uma questão: o magistrado que atuar como juiz de garantias na fase de investigação de crime de competência do Júri fica impedido de atuar na ação penal, ainda que não vá julgar o acusado.



Pela redação do artigo 3º-D, o magistrado que atua na fase de investigação fica impedido de atuar no processo. A redação do artigo limita-se a dizer “impedido de funcionar no processo”. Interpretada em consonância com o artigo 3º-C, a regra de impedimento não incide sobre os crimes de competência do Juizado Especial Criminal, donde se pode deduzir que incidirá sobre os crimes de todas as outras competências.



Como a nova lei fixou explicitamente apenas uma exceção para a regra de impedimento, fixa subtendido que não há exceções implícitas. Por aí os processos de competência originária dos Tribunais, da Justiça Eleitoral e do Tribunal do Júri, ficariam submetidos a nova regra. O magistrado (Juiz, Juiz Eleitoral, Desembargador, Ministro) que atuarem na fase de investigação como juiz de garantias não poderão instruir e julgar a ação penal.



Aqui vamos nos limitar a questão relativa ao Tribunal do Júri.



A nova lei não fixou como exceção à regra de impedimento os processos de competência do Tribunal do Júri.



E considerando que o juiz togado não julga o acusado, que fica sujeito ao julgamento do Júri, surgem três perguntas:



1) O magistrado que atua como juiz de garantias na fase de investigação e recebe a denúncia fica impedido de instruir o processo e pronunciar o acusado?



2) O magistrado que atua como juiz de garantias na fase de investigação, fica impedido de presidir o julgamento pelo Júri?



3) O magistrado que atua no sumário e pronuncia o acusado fixa impedido de presidir o julgamento pelo Júri?



Essas questões adquirem importância pelo fato de que na maioria das comarcas do interior dos estados existe apenas uma vara, o que dificultará muito ao Poder Judiciária implementar o juiz de garantias. Por isso outras exceções à regra de impedimento do artigo 3º-D podem aliviar as dificuldades de administração da Justiça.



Se adotarmos uma interpretação literal do artigo 3º-D é forçosa a conclusão de que o magistrado que atua como juiz de garantias na fase de investigação, não pode atuar na fase instrutória, pronunciar o acusado e presidir o julgamento pelo Júri. Isso porque o artigo 3º-D, combinado com o artigo 3º-C, fixa um divisor muito claro. A competência do juiz de garantias termina com o recebimento da denúncia. Recebida a denúncia, o que era procedimento de investigação torna-se processo. O juiz que acompanha o procedimento de investigação ficará impedido para o processo.



Todavia é possível uma outra interpretação.

Considerando que o acusado não será julgado pelo magistrado togado – a competência é do Júri – fica afastada a razão do impedimento. Nesse caso o juiz que funciona na fase investigatória e recebe a denúncia, não ficaria impedido de atuar na fase pré-julgamento (instrução e pronúncia), posto que nessa fase o acusado não é julgado, mas tão somente decidido se o acusado deve ou não ser submetido a julgamento pelo Júri.



A razão amplamente invocada para a instituição do juiz de garantias é a de garantir ao acusado o julgamento por um juízo não “contaminado” pela coleta de provas feitas na fase de investigação. Presume-se que o juiz que acompanha a investigação criminal não terá suficiente imparcialidade para julgar a ação penal. Em suma, uma falta de imparcialidade objetiva.



No caso dos crimes de competência do Tribunal do Júri, o juiz que acompanha a investigação criminal, mesmo já tendo sido exposto às provas existentes no processo e proferido decisões cautelares, não vai julgar o acusado. Isso será feito pelo Júri. Então o julgamento não sofre o prejuízo de uma contaminação do magistrado que atuou como juiz de garantias.



O argumento contrário é de que o magistrado que atuou como juiz de garantias, já contaminado pelas provas colhidas na investigação, ficará com a imparcialidade objetiva comprometida e pronunciará o acusado, submetendo-o ao julgamento pelo Júri.



Esse argumento enfrenta as seguintes objeções.



A pronúncia nada mais é do que uma decisão de admissibilidade da acusação, reconhecendo a competência do Júri para julgar o caso.



Se o magistrado entender que não está provada a existência do fato, ou que não há indícios suficientes de autoria, impronunciará o acusado, ou se entender que o fato não é crime doloso contra a vida, determinará o envio do processo ao juízo competente.



A pronúncia não deixa de ser uma decisão garantidora.



Tal qual a decisão de recebimento da denúncia, ela considera dois requisitos para levar o acusado a julgamento: prova da existência do fato e indícios suficientes de autoria.



Na decisão que recebe a denúncia, que é de competência do juiz de garantias (artigo 3º-C, caput), o acusado tem a garantia de que não responderá a processo criminal se não estiverem presentes os requisitos para instauração da ação penal. É uma decisão de garantia, até porque está na competência do juiz de garantias.



Na decisão de admissibilidade da acusação perante Tribunal do Júri, o acusado tem a garantia de que não será submetido a julgamento pelo Júri se não estiverem presentes os requisitos legais para a pronuncia.



Se o juiz entender que o fato caracteriza crime que não é da competência do Júri, remeterá o processo para o juízo competente. Nessa hipótese, o acusado tem garantido o julgamento pelo juiz competente.



Por tais razões vemos a fase de admissibilidade da acusação perante o Júri como uma das garantias do acusado – não ser submetido a julgamento pelo Júri se não estiverem satisfeitos os requisitos legais ou o crime não for da competência do Júri. Concluímos daí que a fase processual pré-julgamento é também uma fase de garantia para o acusado. Garantia de que não será submetido a julgamento, pela falta dos requisitos legais, ser inequívoca sua inocência, ou submetido a julgamento por juízo incompetente.



Esses argumentos estão a indicar que o magistrado que atuar como juiz de garantias na fase de investigação de crimes dolosos contra a vida não está impedido de atuar na fase processual de admissibilidade da acusação perante o Júri, podendo pronunciar o acusado.



A segunda questão (o magistrado que atuou na investigação criminal e na fase de pronúncia, pode presidir o julgamento pelo Júri?) mostra-se mais complexa, porque o magistrado que preside o julgamento, embora não julgue se o réu deve ser condenado ou absolvido, tem a competência de fixar a pena, de acordo com o veredicto.



A fixação da pena, embora vinculada ao veredicto, não deixa de ser um julgamento. Compete ao Presidente do Júri, no caso de condenação: fixar a pena base; considerar as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates; impor as causas de aumento ou diminuição de penas reconhecidas pelo Júri; decidir sobre a prisão preventiva do acuado.



Ainda que vinculada ao veredicto, a sentença conterá atos de julgamento relativos à fixação da pena e de manutenção ou não da prisão preventiva ou decretação da prisão preventiva.



Aí é de se perguntar: o magistrado que atuou como juiz de garantias pode presidir o julgamento pelo Júri e no caso de condenação fixar a pena do réu? Esse magistrado, sem imparcialidade objetiva, não seria prejudicial ao acusado na fixação da pena e decisão sobre a prisão provisória pós julgamento?



Estabelecido um parâmetro entre o juízo singular, que julga a ação penal, e no caso de condenação fixa a pena, o qual não pode ser o mesmo magistrado que atuou como juiz de garantias, então o juiz que preside o Tribunal do Júri e no caso de veredicto condenatório fixa a pena, não poderá ser o mesmo magistrado que atuou como juiz de garantias.



Esse raciocínio por sinal está de acordo com a redação do artigo 3º-D.



E o magistrado, que não atuou como juiz de garantias, mas que pronunciou o acusado, ficará ele impedido de presidir o julgamento pelo Júri, e no caso de veredicto condenatório fixar a pena?



O CPP dispõe que o juiz do sumário de culpa pode absolver desde logo o acusado nas hipóteses do artigo 415. Mas se o juiz pronunciar o acusado, ele estará proferindo uma decisão contrária ao acusado, reconhecendo estar provada a existência do fato e existir indícios suficientes de autoria.



Dois requisitos necessários para o juiz de garantias decretar a prisão preventiva são: haver prova da existência do crime e indícios suficientes de autora (artigo312 do CPP). Para a prisão preventiva também deva existir o perigo na liberdade do acusado, mas prisão preventiva e pronúncia estão assentadas em dois requisitos comuns: prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.



Desse modo, o juiz que pronuncia o acusado está em situação muito semelhante ao juiz de garantias que decreta a prisão preventiva e fica impedido de julgar a ação penal porque perde a imparcialidade objetiva.



Tal qual o juiz de garantias, o juiz da pronúncia formula juízos de valor sobre as provas e sobre o acusado, e pela mesma razão que o juiz de garantias fica impedido de julgar a ação penal (perda da imparcialidade objetiva), também ficará impedido de presidir o julgamento pelo Tribunal do Júri, porque terá de fazer juízos de valor sobre as provas e sobre a pessoa do acusado para fixar a pena.



O argumento contrário é que o juiz Presidente do Júri está totalmente vinculado ao veredicto, portanto cabe-lhe somente acatar o que decidir o Júri. E por isso, seja ele magistrado que atuou como juiz de garantias, ou como juiz da pronúncia, não está impedido de presidir o julgamento.



Porém não se pode esquecer que o Júri decide somente sobre a condenação, circunstâncias qualificadoras e causas especiais de aumento ou diminuição de pena. Essas decisões do Júri vinculam a sentença do juiz presidente. Mas a fixação de pena base, decisão sobre aplicação de agravantes e atenuantes, regime inicial de cumprimento da pena, prisão preventiva após julgamento, não são decisões do Júri. Nessa hipótese, o juiz presidente, que também pronunciou o acusado, não teria perdido sua imparcialidade objetiva para decidir essas questões?



Em recente decisão monocrática o Presidente do STF, Min. Dias Toffoli, suspendeu liminarmente a aplicação do juiz de garantias para os inquéritos sobre crimes de competência do Júri (Adins 6.298, 6.299 e 6.300). O argumento básico para isso é o fato de, nos crimes de competência do Júri, o juiz não julga, sendo o veredicto proferido por um juízo colegiado – o Conselho de Sentença – e a colegialidade reforça a imparcialidade. Decisão posterior do Ministro Luiz Fux, relator para essa ação, suspendeu totalmente a instituição do juiz de garantias. Ainda assim, essa decisão é provisória, e no julgamento do mérito o STF poderá reconhecer a constitucionalidade da lei na parte que instituiu o juiz de garantias, e teremos de volta os problemas acima apontados.



Mas se no julgamento pelo plenário do STF prevalecer um entendimento mediano, isto é, que foi constitucional a instituição do juiz de garantias, mas não se aplica nos processos de competência do Júri, irão surgir outros problemas. Suponha que a Autoridade Policial instaure um inquérito para apurar o que considera ser um crime de homicídio. Submete pedidos cautelares ao juiz da vara criminal ao invés do juiz de garantias. Ao final do inquérito o indiciamento é por crime de latrocínio ou lesão corporal seguida de morte, que não são da competência do Júri, ou o MP discorda da caracterização de crime doloso contra a vida e denúncia por crime diverso. Nesse caso o juiz da vara criminal vai ficar impedido. Tudo bem nas comarcas onde houver mais de uma vara criminal, mas nas comarcas de vara única, vai ser problemático.



O mesmo problema pode ocorrer quando o inquérito, instaurado para investigar por crime doloso contra a vida, corre perante o juiz da vara criminal, e o MP denúncia por crime doloso contra a vida, mas na fase de pronúncia o juiz da vara criminal desclassifica para crime que não é da competência do Júri, e no caso essa decisão transitar em julgado, o juiz da vara criminal ficará impedido para julgar o mérito.



Por isso a possibilidade de afastar o juiz de garantias nos casos de competência do Júri também não evita problemas de impedimento, que se agravam nas comarcas de vara única.



O “puxadinho” construído pelo Poder Legislativo junto ao CPP não respondeu a essas questões emergentes sobre a atuação do juiz de garantias nos crimes de competência do Tribunal do Júri.



O garantismo empedernido vai defender que serão necessários três magistrados diferentes para o processo de crimes de competência do Tribunal do Júri.



O “puxadinho” vai dar muita dor de cabeça.



Notas:



1 – Vide: MAURO FONSECA ANDRADE, O Juiz de Garantias na interpretação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, in http://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao040/Mauro_andrade.html, consultado em 12/01/2020.

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