AMMP

O servidor público pulsa

 

Enéias Xavier Gomes*

 
Difícil acreditar que os versos de Luis Vaz de Camões se fariam tão apropriados em pleno século XXI: “tem o tempo sua ordem já sabida; mas anda tão confuso, que parece que dele Deus se esquece”. De nossas clausuras, calculamos as possibilidades e probabilidades da manutenção do isolamento, enquanto contamos com a sorte ou o acaso da vida humana, ao mesmo tempo em que cada vez mais pessoas são registradas na coluna débito dos cartórios de registro civil.
 
Dos jornais ao mundo virtual, tentamos demarcar os limites entre o risco à saúde e a destruição da economia com todas as suas infindáveis consequências. No impasse entre um e outro, concordamos aqui, divergimos acolá, mas no fundo somos dominados pela incerteza, em que o temor e a angustia ecoam. Afinal, quem de nós não verte lágrimas nesta quarentena?
 
Nesta emaranhada teia, em que sequer sabemos o que nos espera por detrás das sombras, há que reverenciarmos o trabalho de inúmeros servidores públicos, muitos deles esquecidos dos próprios perigos, a nos guiar em meio à torrente. E a nos lembrar de sua importância como braço do Estado em meio a críticas muitas vezes injustas que se perpetuam no Congresso Nacional, mesmo durante a epidemia. Sem seus esforços na defesa da segurança pública, solução dos conflitos, proteção dos vulneráveis, organização das cidades, proteção e defesa das crianças e idosos, violência contra a mulher, enfim na regulamentação da vida social, teríamos uma Guernica à brasileira.
 
Dentre eles, os membros do Ministério Público de Minas Gerais que, prenhe de conteúdo, sem desanimar ou esmorecer, tem buscado atender às demandas da sociedade de forma ágil e efetiva. Orientações nos contratos escolares. Atendimento à população de rua. Combate à pratica de preços abusivos. Atenção ao fornecimento de energia elétrica. Medidas preventivas em lares de longa permanência para idosos. Destinação de verbas para o combate à pandemia.
 
Proteção à mulher vítima de violência doméstica. Proteção ao patrimônio público. Apenas entre 19 de março a 15 de abril, a Instituição se manifestou em 61.088 processos, realizou 4.530 audiências presenciais e à distância e instaurou 5.185 procedimentos extrajudiciais. Na área Penal, que concentra a maior parte das urgências, houve, em todo o estado, 26.757 manifestações em processos judiciais. Na Saúde, foram inaugurados 986 procedimentos extrajudiciais e cumpridas 807 diligências. Ei-las no site: https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/campanhas/mpmg-adota-medidas-de prevencao-contra-novo-coronavirus.htm.
 
Não obstante os inamistosos tempos, importante nos lembrar do nascimento e morte de William Shakespeare (1564-1616), no presente mês. Em “Júlio César”, Antônio diz aos cidadãos: Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com seus ossos fica enterrado. Que assim não seja com os funcionários públicos, eis que se apresentam. Dispostos. Ordeiros. Abnegados. Comprometidos.
 
E passada a pandemia, na certeza do triunfo, como no diálogo em que Macbeth diz a Banquo, “venha o que vier, que a hora da alegria chega depois do mais cansado dia”, possamos nos abraçar, rir, chorar e reconhecer todos os que se empenharam nesta batalha, dos mais diversos segmentos, público e privado. Mas que possamos também tirar um tempo para nominar e mostrar os rostos dos nossos mortos, o maior drama desta pandemia, pois reduzidos a estatísticas, não podem nos passar ao largo, como partilhava o poeta de língua inglesa John Donne: “a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram; eles dobram por vós”.
 
*Presidente da Associação Mineira do Ministério Público 

Mestre e Doutor em Direito pela UFMG

Publicado no Jornal Hoje em Dia – 28/04/2020

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