O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento aos Recursos Especiais (REsps) nº 1.413.279 – MG (feito oriundo da comarca de Uberlândia), nº 1.360.867-MG (feito oriundo da comarca de Arinos), nº 1.377.150-MG (feito oriundo da comarca de Nanuque) e nº 1.721.022-MG (feito oriundo da comarca de Montes Claros), todos interpostos pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Procuradoria de Justiça de Recursos Especiais e Extraordinários Criminais, versando sobre delitos de estupro.
O REsp nº 1.413.279-MG foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que manteve a absolvição do acusado da prática do crime de estupro de vulnerável, sob o fundamento de que “em que pese a comprovação de que o apelado manteve relações sexuais com a vítima, menor de 14 anos, infringindo, em tese, o disposto no art. 217-A do CP, por diversas vezes, ainda assim mantenho o entendimento no sentido de que a presunção de vulnerabilidade, no presente caso, é relativa. O fato da vítima, na época dos fatos, contar com 12 anos de idade não autoriza, por si só, a condenação no delito de estupro de vulnerável, até porque inexistem provas idôneas apontando que ela teria sido importunada, forçada, ou mesmo coagida a praticar, por tantas vezes, sexo com o apelado.”
O relator, ministro Ribeiro Dantas, acolheu o pleito condenatório ministerial, consignando, em seu voto, que “no julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia n. 1.480.881/PI, (…) este STJ consolidou o entendimento de que ‘para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime’”. Por fim, determinou a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para a fixação da pena.
O REsp nº 1.360.867-MG visou ao combate do acórdão do TJMG que, acolhendo parcialmente pleito defensivo, aplicou a continuidade delitiva entre todos os crimes praticados pelo autor, quais sejam: art. 213 c/c 224, “a”, 226, II, por seis vezes, e art. 214 c/c 224, “a”, 226, II, por seis vezes (contra uma das vítimas); e art. 213 c/c 224, “a”, por quatro vezes, e art. 214 c/c 224, “a”, por quatro vezes (contra a outra vítima). No julgamento da apelação, a pena do acusado fixada em 16 anos e seis meses de reclusão.
Entretanto, no REsp nº 1.360.867-MG, o MPMG pugnou pela aplicação da regra do artigo 69 do Código Penal, tendo em vista tratarem-se de crimes distintos, praticados contra vítimas diversas, como bem reconhecido pelo magistrado de primeira instância. Acolhendo o pleito ministerial, o ministro Nefi Cordeiro, em recente decisão publicada no dia 1º de março de 2018, reconheceu o concurso material entre os crimes de estupro e os crimes de atentado violento ao pudor, redimensionando a pena do acusado para trinta e cinco anos de reclusão, ao fundamento de que “ainda que a diversidade de vítimas, por si só, não seja suficiente para afastar a tese da habitualidade delitiva, nos termos do art. 71, parágrafo único, do Código Penal, tenho que, no caso, além de terem sido os crimes praticados contra vítimas diversas, o foram por um longo período de tempo (…)”.
O REsp nº1.377.150-MG foi interposto contra acórdão do TJMG que, acolhendo parcialmente o pleito defensivo formulado no recurso de apelação, afastou a continuidade delitiva entre os vários crimes de estupro praticados pelo autor, reduzindo sua reprimenda para 13 anos e seis meses de reclusão. Neste caso, o réu foi condenado em primeira instância pela prática do crime descrito no art. 213, § 1º, c/c os art. 226, II, e 71, todos do Código Penal, momento em que lhe foi imposta a pena de 27 anos e seis meses de reclusão.
Ao analisar o recurso ministerial, o ministro-relator Rogério Schietti Cruz deu-lhe provimento, para reconhecer a continuidade delitiva entre os delitos em comento, na fração de 2/3, tendo em vista que “dúvidas não há de que se distanciaram para muito mais de sete o número de vezes em que o recorrido molestou a vítima”. Consignou, este julgador, em seu voto, que: “(…) a Corte de origem, não obstante haja delineado e reconhecido a ocorrência de múltiplos (e incontáveis) crimes de estupro de vulnerável pelo ora recorrido contra a vítima, durante anos a fio, entendeu por bem negar a realidade e, sob o argumento de não haver individualização na denúncia, excluir o amento pela continuidade.”
Afirmou, ainda, o relator que “na espécie, conforme bem delineado pelo Tribunal de origem, os abusos foram cometidos ao lungo de cerca de 2 anos. Ficou concluído, ainda, que os delitos foram perpetrados com unidade de desígnio, elemento que demonstra o preenchimento do requisito subjetivo, indispensável ao reconhecimento da continuidade delitiva. Além disso, a reiteração da conduta nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução caracteriza a continuidade e justifica a exasperação da pena nesses moldes”, e que “no caso em comento, a dúvida em torno do número exato de ocasiões em que o acusado abusou da vítima não pode gerar uma conclusão que distorce a realidade fática, devidamente delineada no acórdão”. Por fim, a pena do acusado foi fixada em vinte e dois anos e seis meses de reclusão.
Por fim, o REsp 1.721.022-MG foi interposto contra decisão do TJMG que desclassificou a conduta praticada pelo acusado (art. 217-A, caput, c/c art. 226, II, ambos do CP) para a contravenção penal prevista no artigo 65 do Decreto-lei 3.688/1941, ao fundamento de que “a conduta praticada pelo apelante, embora moralmente condenável, não caracteriza o delito de estupro de vulnerável, mas mera contravenção penal, pois haveria flagrante desproporcionalidade entre a sanção e o ato por ele praticado”.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, acolhendo o pleito ministerial, restabeleceu a sentença proferida em primeira instância, que condenou o acusado pelo crime de estupro de vulnerável, ao fundamento de que os atos praticados pelo réu – passar as mãos, por diversas vezes, nos seios da vítima, tentar beijá-la e puxá-la para cima de seu corpo, além de ameaçá-la de morte caso a mesma contasse os fatos para alguém – configuram o crime de estupro. Afirmou esse Relator que “na expressão ‘ato libidinoso’ estão contidos todos os atos de natureza sexual, diversos da conjunção carnal, que tenham a finalidade de satisfazer a libido do agente”, e, ainda, que “segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o delito de estupro, na redação dada pela Lei n. 12.015/2009, ‘inclui atos libidinosos praticados de diversas formas, onde se inserem os toques, contatos voluptuosos, beijos lascivos, consumando-se o crime com o contato físico entre o agressor e a vítima’”. (MPMG)