A recém-aprovação do projeto de Lei nº 7596/2017 (Lei do Abuso de Autoridade), pelo Congresso Nacional, exige uma reação forte e urgente dos homens e mulheres de bem no Brasil.
A referida lei coloca no banco dos réus, juízes, promotores e policiais que atuam no combate ao crime, no Brasil, inclusive arriscando cotidianamente suas próprias vidas, e sem a devida proteção do Estado.
Trata-se de verdadeiro desmonte do Estado Brasileiro, na sua atividade de combate ao crime, e não por acaso, se dá exatamente como reação ao êxito de operações como a Lava-Jato, que pela primeira vez na história, ao menos nessa ordem de grandeza, atingiu pessoas e setores historicamente imunes à lei penal: os ricos e os engravatados que saqueavam livremente o povo brasileiro e privatizaram o Estado a seu favor.
A pretexto de atualizar a lei de abuso de autoridade, que é de 1965, a maioria da classe política, às pressas e contando com a desinformação e dificuldade de reação da sociedade, aprovou o projeto de lei em questão. Se sancionado, porá de joelhos todos os profissionais que atuam no combate ao crime, especialmente, ao crime organizado e à delinquência econômica (o chamado crime do colarinho branco).
Trata-se de uma reação conservadora, de clara retaliação, verdadeiro golpe contra o povo brasileiro, motivado por intenções nada republicanas, pois, sabemos, a lava jato e outras, atingiram, além do alto empresariado, parte da classe política dirigente do país.
A mesma classe política engavetou o projeto de lei anti-crime, de autoria do Ministério da Justiça, capitaneado por Sérgio Moro, que há meses tramita na Câmara, sem sucesso. Tal iniciativa legislativa, há muito esperada, tem por objetivo aumentar a eficiência do Estado, na proteção da sociedade, ante ao avanço do crime, em todas as suas manifestações. Mas, desgraçadamente, não entrou na pauta da urgência do Congresso.
A título de exemplo, o tal projeto de Lei de Abuso de Autoridade, criminaliza, no seu artigo 17, policiais ou juízes, ao prescrever que, comete crime quem “ submete o preso ao uso de algemas quando “manifestamente não houver ameaça de fuga”.
É óbvio que ninguém razoável consegue explicar o que seria a tal “manifesta ameaça de fuga”, ou se espera que o preso anuncie expressamente sua intenção de fuga, para então tentar evitá-la?
O raciocínio, de tão pueril, nem merece maiores considerações.
Também criminaliza a conduta de “ impedir a entrevista pessoal e reservada de RÉU SOLTO com seu advogado, antes da audiência, por prazo razoável”.
Somente não consegue explicar o que seria o tal “ prazo razoável”? E veja, a regra é para réus soltos, que, portanto, tiveram todo tempo do mundo, para contratar advogado, ou consultar o defensor público, para alinhavar junto a esses profissionais, seu meticuloso plano de defesa. Aí o absurdo salta aos olhos.
Igualmente criminaliza a requisição ou instauração de procedimento investigatório em desfavor de alguém, quando não houver qualquer indício da prática de crime (artigo 27).
Desconhecem os deputados e senadores que, delegados de polícia e promotores de justiça do país, não saem por aí, dizendo: “hoje vou instaurar um procedimento em desfavor de X por mero capricho”. Apenas em mentes ruins surge a ideia de que as ações penais possam ser fruto de mera perseguição e, se assim o for, a lei já prevê mecanismos de coibição desse que seria um grave desvio de conduta e crime.
A criatividade em favor do crime é tão grande que se criminalizou a conduta de “exigir informação ou cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal” (artigo 33).
Em relação a esse “crime” é importante indagar: qual é o bem jurídico eventualmente violado com essa conduta? O que querem os nobres deputados proteger afinal?
Também torna crime o ato de divulgar foto ou filme de preso, sem seu consentimento.
Assim, a imagem de um estuprador, por exemplo, deve receber mais proteção do Estado, do que a integridade física e a dignidade sexual de suas vítimas e da sociedade em geral.
Com esses exemplos, penso ter deixado claro que se o projeto de 7.596/17 for sancionado, corremos o sério risco de transformamos o Brasil em um paraíso para criminosos e corruptos, especialmente, num contexto em que cresce, não só a criminalidade violenta, com direito a decaptações de presos televisionadas, como também a delinquência econômica.
Por fim, se a sociedade brasileira que assiste a tudo ainda “bestificada” não se posicionar, viveremos tempos ainda mais sombrios, não sendo surpresa, que a sanha conservadora dessas reações de quem tem o poder de legislar por nós, acabem por também desmantelar a Lei de improbidade Administrativa, a recente Lei Anticorrupção Empresarial, a Lei de Acesso à Informação, ou mesmo, impeça/desfigure institutos importantes de combate ao crime, como a da colaboração premiada.
O que sobra de decência na nação espera /luta pela não aprovação desse verdadeiro desmanche da atividade investigativa/processante do Estado. De novo, e sem medo, a consciência nos chama ao combate.
Rogéria Cristina Leme
Promotora de Justiça