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Projeto da Nova Lei de Improbidade Administrativa representa retrocesso no combate à corrupção

Nesta edição do AMMP Notícias, o Promotor de Justiça da 13ª Promotoria de Justiça de Montes Claros Felipe Gustavo Gonçalves Caires aborda em entrevista o Projeto da Nova Lei de Improbidade Administrativa, que tramita no Congresso Nacional.

Para Felipe Caires, a aprovação do texto pode provocar retrocessos no combate à corrupção. O Promotor levou suas preocupações para a Câmara Municipal de Montes Claros. A partir da reflexão sobre a proposição, os vereadores divulgaram, em julho, uma moção de repúdio sobre as alterações na Lei 8.429/92.

O texto também deixou a AMMP e CONAMP em alerta. Desde o início da tramitação, as entidades vêm trabalhando para o aprimoramento da proposta. A mobilização envolve a participação em audiências públicas e diversas reuniões com os parlamentares.

1) A nova Lei de Improbidade Administrativa é tratada como uma revisão da legislação de 1992. No entanto, o texto preocupa os órgãos de investigação em todo o pais. Quais os trechos mais preocupantes da proposição?

Em 16 de julho de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou uma série modificações na chamada Lei de Improbidade Administrativa. Essas modificações ainda serão analisadas e revistas pelo Senado Federal. É importante conscientizar, desde logo, a sociedade brasileira acerca do perigo que essas modificações, caso não revistas, representam para o combate à corrupção e impunidade no Brasil. Gostaríamos de destacar quatro alterações na lei, que são, a nosso sentir, muito perigosas e que incentivam a impunidade, sobretudo, dos poderosos.

A primeira dessas modificações estipulou o prazo máximo de um ano para a conclusão de todas as investigações sobre improbidade no Brasil. Se não acabar em um ano, é a investigação que acaba. É extinta, arquivada e não se pode investigar mais. Ora, isto é um absurdo. Em um país de dimensões continentais, com mais de 5.500 municípios. Nós sabemos que o Ministério Público está longe de ter, ainda, os recursos humanos e a estrutura material suficientes para encerrar as investigações, em matéria de improbidade administrativa, em até um ano.

Na prática, isso significa que as únicas investigações que serão concluídas serão aquelas de atos de improbidade menos graves e menos complexos. Porque os grandes esquemas de corrupção elaborados com requinte, com ardis para que se esconda da autoridade pública o mal feito que está sendo praticado, esses não podem ser desbaratados em apenas um ano. Via de regra, perícias, quebras de sigilo, oitivas de inúmeras testemunhas, as vezes até colaboração internacional, são necessários para que se desbaratem esses esquemas criminosos e ímprobos. Infelizmente, se esse prazo de um ano continuar sendo estipulado como prazo máximo para investigação, essas pessoas irão continuar impunes. Ou seja, só teremos investigação sob o andar de baixo da administração pública. Aqueles que estão no andar de cima, os mais poderosos que praticam, por vezes, atos de corrupção requintados e complexos não serão investigados porque a investigação não conseguirá acabar nesse prazo de um ano fixado pela lei.
Outra modificação que preocupa bastante na Nova Lei de Improbidade Administrativa é aquela que estipula o prazo máximo de quatro anos para o juiz dar sentença, e se o juiz não der sentença em até quatro anos, o processo é extinto. Qual a consequência prática disso? Num pais em que todo o judiciário está abarrotado e não consegue dar respostas tão céleres mesmo nos casos menos complexos, a consequência será que nos casos complexos, os juízes não conseguirão sentenciar aqueles feitos no prazo máximo de quatro anos e os processos serão extintos. Ou seja, haverá mais impunidade. E além disso, infelizmente, alguns advogados irão se aproveitar desse prazo para atrasar a marcha do processo, aumentando a impunidade no nosso país, sobretudo, a impunidade referente aos casos de corrupção mais graves e mais complexos. Não podemos aceitar isso.

Uma terceira modificação, que também preocupa bastante, é aquela que estipulou a regra que haverá pagamento pela sociedade, ou seja, pelo povo brasileiro, de honorários advocatícios aos advogados dos réus que acabarem sendo absolvidos nas ações de improbidade. Esta regra é absurda. Porque quando o réu é condenado na ação de improbidade, ele não paga honorários para a sociedade para custear o trabalho daqueles que, em nome da sociedade, representam a sociedade em juízo. Ora, quando ele perde a ação ele não paga honorários, por que quando ele ganha ele vai fazer jus aos honorários pagos pelo povo? Essa é uma maneira de desincentivar o uso dessas ações pelos órgãos encarregados de combater a corrupção no Brasil. Vejam só, se em um contrato de R$ 10 milhões o Ministério Público entende que houve prática de atos de improbidade, o Promotor irá pensar uma, duas ou três vezes antes de ingressar com a ação. Mesmo que esteja convicto da prática de mal feitos naquele contrato administrativo. E por que ele o fará? Se por uma questão processual ou jurídica a ação for jugada improcedente a sociedade terá de pagar honorários de 10% a 20% do valor da causa. O prejuízo para a sociedade vai ser muito maior do que o lucro que ela auferiria, caso a ação fosse julgada procedente. Onera os cofres públicos e onera a sociedade. Esperamos que o Senado Federal também reveja esta questão.

A quarta modificação que preocupa bastante é aquela conhecida pela doutrina como vedação da emendatio. Imagine que em uma ação de improbidade um réu seja acusado de determinado fato e que depois de feita a investigação e transcorrido o processo, o juiz se convence de que aquele fato realmente aconteceu. Só que se o juiz se convencer de que realmente o fato ocorreu, ele não poderá condenar se entender que aquele fato viola o dispositivo “a” de alguma lei se o Promotor, ao entrar com a ação, disse que aquele fato provado violaria o dispositivo “b” dessa mesma lei. É um absurdo. No nosso sistema processual os réus se defendem de fatos. E se os fatos foram escritos com exatidão e clareza na petição inicial da ação, e no transcurso do processo ficou claro que aqueles fatos ocorreram e que o réu colaborou com os mesmos, não importa se ele violou o artigo a da lei x ou o artigo b de tal lei x, importa que ele violou a lei e deve ser punido por isso. É mais um passaporte para a impunidade.

2) Leis como a de Improbidade Administrativa e a de Responsabilidade Fiscal obrigaram a administração pública a otimizar suas ferramentas de administração e transparência. Além da questão judicial, a aprovação da nova legislação pode provocar retrocesso no gerenciamento da coisa pública?

Infelizmente, isto pode ocorrer. Imagine um gestor público mal-intencionado. Ele fica sabendo que depois dessas alterações na Lei de Improbidade, se confirmadas pelo Senado da República, ele poderá ser investigado por no máximo um ano. Se não for investigado, acaba a investigação e ele permanece impune. Ainda que ele seja investigado durante esse ano, e que haja uma ação contra ele, o juiz vai ter no máximo quatro anos para sentenciar o processo, porque se não sentenciar, a ação é extinta. E ainda que haja a sentença, no caso de a ação ser julgada improcedente em uma instância superior, às vezes por uma questão meramente processual, não uma questão de mérito. Os advogados dele vão fazer jus a honorários portentosos pago pelo povo. E se ele também fica sabendo, que se for acusado pelo Promotor de ter praticado um fato, e apesar de o fato ter sido provado na justiça, se o juiz entender que o fato viola o artigo b de uma lei, e o Promotor falou que violava o artigo “a”, mesmo tendo havido violação da lei, ele não vai mais poder ser condenado, o que esse agente público mal-intencionado vai fazer? “Agora posso fazer e acontecer. A chance de eu ser investigado é pequena e seu for investigado, a chance de eu ser condenado é mínima”. É essa a mensagem que as modificações na Lei de Improbidade Administrativa, infelizmente, acabarão por passar ao agente público mal-intencionado.

3) Na sua opinião, quais seriam os trechos da atual Lei de Improbidade poderiam ser mudados/atualizados, sem prejuízo no combate à corrupção?

É uma excelente pergunta. Quando a gente critica essas alterações na lei, às vezes, pode se passar equivocadamente a impressão que o Ministério Público se julga o dono da verdade e que nada deve ser alterado na Lei de Improbidade. Não é isso. O Ministério Público é composto de seres humanos. O Ministério Público também erra. E existem, sim, trechos da Lei de Improbidade que podem e devem ser alterados para melhorar a legislação e evitar, por exemplo, a abertura de processos injustos que maculam a imagem de pessoas que depois são reconhecidas inocentes, mas que depois não há mais como se recuperar do desgaste que foi imposto quanto à sua imagem perante à sociedade. O Ministério não é contra aprimorar a lei para que se evitem os processos injustos, os processos precipitados e, até porque não dizer, os processos aforados por agentes do Ministério Público, é uma minoria, é claro, que confundem sua militância política com a defesa da Constituição e a defesa das leis do Brasil. Usar tudo isso como pretexto para estipular prazo máximo de um ano para investigação, quatro anos para a sentença, honorários para advogado de réu em ação de improbidade e proibição de condenação, mesmo que o fato de que o réu seja acusado esteja provado, apenas por filigranas jurídicas, isso o Ministério Público não pode aceitar. Isso não é contra o Ministério Público, é contra a sociedade brasileira. É contra todos. É contra governo e contra a oposição. É contra direita, centro e esquerda. Só não é contra as pessoas que estão agindo de má fé. Acreditamos que o Senado Federal, que respeitamos muito, assim como respeitamos Câmara, reflitam. Acreditamos que muitos deputados que votaram nas modificações na Lei de Improbidade não tinham consciência do que estavam fazendo. Acreditavam que estavam melhorando a lei e não se deram conta, pela tecnicidade do assunto, que lá, dentre as tantas modificações, colocaram algumas que inviabilizaram o combate à corrupção no Brasil. Nós fazemos um apelo a todos os senadores, a todos os partidos, todos os deputados, oposição e situação, a direita a esquerda e o centro, para que entendam que é do interesse do Brasil que a lei de improbidade seja aprimorada.

4) Caso a lei seja aprovada, outras leis podem sofrer retrocessos também?
Também pode acontecer. Porque se a lei de Improbidade Administrativa for alterada nos termos em que foi modificada pela Câmara dos Deputados, (e nós enfatizamos, esperamos que o Senado Federal corrija esse equívoco patrocinado pela Câmara, e que depois a Câmara refletindo reconheça que é possível sim melhorar a lei para evitar injustiças, mas que não é tolerável serem mudanças que aumentem a impunidade no Brasil), é possível, sim, que algumas outras legislações sejam alteradas prejudicando o combate à corrupção no país. Imagine se alguém tem ideia de levar para o inquérito policial para as polícias do Brasil essa regra de que todas as investigações têm de acabar em no máximo um ano? Vai ser a alegria de traficantes poderosos, de grandes corruptos e de lavadores de dinheiro. Nem a polícia Civil e nem a Polícia Federal têm condições de encerrar as suas investigações em até um ano. Imagina se ainda levarem para o processo criminal a regra de que o juiz tem que dar sentença em quatro anos, no máximo, porque se não extingue a ação criminal? Os culpados ficarão alegres, mas os inocentes, não. Eles querem ser julgados rapidamente. Essas modificações na lei de improbidade podem servir de inspiração para alterações em outras legislações que venham também a dificultar e muito o combate à corrupção no Brasil. Por isso que nós pedimos o apoio das polícias, o apoio das corregedorias, das ouvidorias, de todos os órgãos de controle, tribunais de contas, para que nos irmanemos e mostremos aos nossos parlamentares, juntamente com a sociedade civil organizada e a imprensa, que nós não podemos caminhar para trás em termos de combate à improbidade no Brasil
Aprimorar a lei sim, mas garantir a impunidade, jamais.

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