O plano de ação elaborado pelo coordenador da Coordenadoria Regional das Promotorias de Infância e Juventude do Triângulo Mineiro (CREDCA-TM-MPMG), André Tuma Delbim Ferreira, apresentado ao curso do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “Marco Legal da Primeira Infância e suas Implicações Jurídicas”, visa à implantação do serviço de acolhimento familiar mais eficiente. Apresentado como trabalho da etapa do 2° ciclo do curso, realizado no segundo semestre de 2021, o plano de ação “Acolhimento Familiar: acolher para proteger” define estratégias e diretrizes para superar o baixo índice de amparo familiar em Minas Gerais. De acordo com os dados do Portal de Estatísticas do SNA do CNJ, e colhidos pelo Promotor de Justiça, das 3.355 crianças e adolescentes acolhidos no Estado, apenas 241 estão sob guarda de famílias, ou seja, menos de 7%. Em entrevista ao AMMP Notícias, André Tuma Delbim Ferreira explica em detalhes a sua proposta e analisa as condições das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social em Minas Gerais. Leia:
- O seu plano de ação foi escolhido como um dos melhores do país pelo CNJ. Como o senhor pretende aplicá-lo na prática? Já existem tratativas interinstitucionais para transformá-lo em realidade na sua região de atuação? O CNJ oferece algum suporte para a implementação?
O plano apresentado é um desdobramento de uma das metas do nosso Plano Geral de Atuação do MPMG no campo da Defesa da Criança e Adolescente, além de ser uma necessidade premente no campo da diminuição dos prejuízos dos acolhimentos com prazos mais duradouros. Por ser uma das metas do nosso PGA, a nossa esperança é que os Colegas Promotores de Justiça possam utilizar o nosso plano de ação como mais uma ferramenta para a implementação do serviço em suas Comarcas, sendo que o CAODCA e as CREDCAs já oferecem um roteiro de atuação nesse mesmo sentido, que é um passo a passo para que o serviço possa ser efetivamente criado. Aqui, na nossa região do Triângulo Mineiro, várias Comarcas já possuem o serviço de acolhimento familiar e algumas outras estão em estágio de implantação: algumas na fase da criação da lei municipal, outras escolhendo equipes, outras na fase de cadastramento das famílias que atuarão com unidades de acolhimento, e outras ainda na fase preliminar de sensibilização dos gestores.
- Quais são as causas do baixo acolhimento familiar em Minas Gerais?
O baixo índice de acolhimento familiar é uma característica brasileira, não só de Minas Gerais. Os números disponibilizados pelo SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento) apontam que apenas 4% das quase 30mil crianças e adolescentes acolhidos estão na modalidade familiar. Apesar de existir uma clara preferência pelo modelo do acolhimento familiar, estabelecido inclusive no ECA, ainda há um certo apego ao modelo do acolhimento institucional no nosso país. É um reflexo ainda das grandes unidades FEBEM/FUNABEM, em que se misturavam crianças e adolescentes em situação de risco com autores de atos infracionais. Então, historicamente, passamos por um momento de readequação dos serviços de acolhimento institucional, a partir da tipificação do serviço tanto pelo SUAS, como também com a obrigatoriedade da fiscalização dos serviços, através da Resolução n.º 71 do CNMP. O acolhimento família, como serviço tipificado, aparece com previsão legal apenas a partir de 2009 (Lei 12.010/09). A partir daí, surgem vários estudos que demonstram os prejuízos do acolhimento institucional prolongado, justamente pela falta de atenção e atendimento individualizado, o que é absolutamente factível no acolhimento familiar. Só não podemos deixar de compreender que, mesmo sendo o acolhimento familiar uma modalidade menos danosa do que o acolhimento institucional, ele não deixa de ser um acolhimento, ou seja, uma medida que deve ser encarada sob o prisma da excepcionalidade, provisoriedade e transitoriedade, vez que o lugar de crianças e adolescentes é crescendo em famílias que possam ser suas de forma definitiva (a família natural ou extensa e, caso não seja possível, a família adotiva).
- Quais os maiores problemas que afligem as crianças e adolescentes na sua região?
A defesa da criança e adolescente comporta vários desafios, que vão exigindo novas modalidades de articulação interinstitucional. A região do Triângulo Mineiro é uma região onde o agronegócio é muito presente, o que leva a existência de uma população residente nas zonas rurais ainda bastante significativa. Isso gera impactos na educação, transporte escolar, combate ao trabalho infantil. Também por ser recortada por diversas rodovias estaduais e federais, há um problema muito sério envolvendo a questão da prostituição infantil, ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Também por essas características, vemos vários problemas envolvendo a população migrante que procura a região na época das safras de cana e soja, e que trazem consigo um importante impacto nos setores da assistência social, saúde, educação e segurança pública. Ultimamente, como em todo o país, temos enfrentado desafios com relação aos imigrantes venezuelanos, não só de ordem cultural, como também relativamente ao aumento da população de rua nas nossas cidades. A pandemia da COVID-19 também trouxe mudanças significativas, seja pelo afastamento das crianças e adolescentes das salas de aula, e todos os problemas que esse absenteísmo acarretou, nas mais diversas ordens (adoecimento mental de crianças, retomada dos conteúdos educacionais perdidos, a fragilização da rede de proteção, como instrumento de combate às diversas formas de violência, entre outros), como também uma diminuição do poder aquisitivo das famílias, com o aumento inflacionário, a diminuição do emprego e a retração econômica, o que acarreta a necessidade de políticas públicas estruturantes para garantir o mínimo de dignidade para esses indivíduos, a fim de minorar a desigualdade social que assola historicamente o nosso país.
- Com os problemas econômicos no país, o número de crianças desamparadas tende a aumentar e dificultar o acolhimento. Como mitigar estes efeitos e garantir que os Direitos das crianças sejam atendidos de forma plena?
Uma excelente estratégia é, primeiramente, o fortalecimento das redes de proteção e a construção de fluxos seguros e estáveis, que impeçam os acolhimentos desnecessários. Para isso, todos os componentes do Sistema de Garantia de Direitos devem caminhar no mesmo sentido da proteção integral. O respeito ao fluxo de acolhimento estabelecido no ECA (arts. 101§2º e 136, parágrafo único do ECA) já auxiliam muito nesse sentido. Mas, uma vez acolhida a criança ou o adolescente, o Sistema de Justiça também deve caminhar de forma célere para garantir a efetivação do direito à convivência familiar e comunitária desse acolhido. Assim, os prazos de revisão, de análise de PIA, das audiências concentradas, tudo deve ser feito com a maior urgência e tecnicidade possível. Se for o caso de retorno para a família natural ou extensa, que isso seja decidido da forma mais rápida possível. Todavia, se essa reintegração familiar não for viável, que o Ministério Público possa promover a necessária e competente ação de destituição de poder familiar, inclusive com pedido de tutela de urgência, para que a criança ou o adolescente sejam rapidamente encaminhados para famílias devidamente habilitadas no cadastro de adoção. O Sistema de Garantia de Direitos deve se sensibilizar e organizar para que crianças e adolescentes possam usufruir do seu direito constitucional de viver e crescer em família.
- Em seu plano, o senhor aponta para a necessidade de gestores público serem sensibilizados para o tema. Como fazer esta conscientização e garantir foco permanente na solução do problema?
A mudança do modelo do acolhimento institucional, que era amparada no paradigma dos “abrigões”, com sua consequente superação, e a construção de um modelo de atendimento mais humanizado e individualizado devem ser os nortes que mapeiam essa sensibilização. É fundamental demonstrar aos gestores que o equipamento do acolhimento institucional, além de extremamente caro, traz muitos prejuízos, a longo prazo. Estudos apontam que crianças e adolescentes expostos a longos prazos de acolhimento institucional possuem, com relação a crianças e adolescentes que crescem em núcleos familiares, baixo QI, maior probabilidade de distúrbios psicológicos, redução da capacidade linguística, inaptidão no desenvolvimento de vínculos afetivos e inclusive crescimento físico inferior. Portanto, o tempo é um fator primordial no atendimento das necessidades individuais desses sujeitos. O acolhimento familiar, não obstante seja uma modalidade menos gravosa de acolhimento (pois não possui a ideia de uma família definitiva, posto que é um serviço ligado ao SUAS), também deve ser encarada sob o princípio da transitoriedade. Nesse serviço, famílias da sociedade se voluntariam para cuidar de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, que estejam afastadas de seus núcleos familiares originais, sob supervisão e monitoramento constante de uma equipe técnica, que deve ser extremamente bem capacitada. E mesmo com todos esses requisitos (a necessária ajuda de custo para as unidades familiares que receberão as crianças ou adolescentes, o destacamento de uma equipe técnica nos padrões exigidos pela NOB/RH/SUAS, com uma sede própria e toda a infraestrutura necessária),o serviço de acolhimento familiar é bem menos oneroso do que o acolhimento institucional. Com isto, tem-se que a preferência legal estabelecida no ECA deve ser realmente concretizada, dado que o serviço de acolhimento familiar é qualitativamente melhor para os acolhidos e financeiramente menos oneroso para os Municípios.