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STF e censura: entrevista com Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira

Entrevista originalmente publicada pelos portais Justiça em Foco e Instituto Conservador de Brasília
(1) Recentemente, a pretexto de combater fake news, o STF, por seu Presidente, instaurou o Inquérito 4781/2019 para investigar ataques contra a honra e dignidade de membros do Excelso Pretório. O Dr entende pela legalidade deste IP?
Thales Tácito – De forma alguma este Inquérito pode ser considerado válido ou mesmo existente na simples leitura da CF/88. Certamente cairá no julgamento pelo Pleno do STF.
Na minha visão, denomino tal Inquérito “judicial” (que nem existe mais na nova Lei de falências) de “procedimento inexistente numa Justiça incompetente”, pois o procedimento dele se iniciou não com o artigo 40 do CPP, que dentro do sistema acusatório, remete à Polícia Federal ou MPF determinação para investigação em Inquérito ou análise de Procedimento de Investigação Criminal(PIC), mas sim foi instaurado de ofício pelo Presidente do STF, ao meu juízo, em exegese distorcida do regimento interno do STF, que, apesar da AGU tentar salvar, dizendo “ter força de lei”, em verdade pode até ser considerado tal regimento um “ato normativo primário”, mas nunca pode ele substituir a CF/88, porque no máximo se equipararia à lei ordinária, mas não teria status constitucional, sob pena do Supremo ser maior que a própria Constituição que ele interpreta e sob pena do STF substituir 513 deputados e 81 senadores e toda Assembleia Constituinte de 1988. Assim, o procedimento é inexistente porque fere o sistema acusatório trazido pela CF/88, onde há separações de investigação, acusação e julgamento, não podendo um poder fazer as três funções ao mesmo tempo violando imparcialidade e juiz natural, já que além da gravidade de um inquérito “judicial” em si, foi escolhido um relator por indicação da presidência, sem prévio sorteio, quebrando a necessidade de regras processuais prévias(princípio do juiz natural), ou seja, antes do processo e julgamento, caracterizando, ao meu sentir, com todo respeito a quem pensa diferente, um inaceitável Tribunal de Exceção, gerando como “efeito colateral” a hipertrofia de poder que quebra a harmonia entre os poderes da República (artigo 2º da CF/88).
Em segundo lugar, chamo de “Justiça incompetente” porque além de ferir o juiz natural pela ausência de sorteio, os possíveis “investigados”(sujeitos ativos) não têm foro pela prerrogativa de função para serem julgados no STF, logo, se fosse seguir rigorosamente a lei deveriam ser processados e julgados juntos à primeira instância do Judiciário e não na última e na Corte Excelsa, pois o simples fato das indigitadas vítimas (sujeitos passivos) serem Ministros do STF não atrai o julgamento para a Corte Máxima, havendo aqui supressão de instância e uma espécie de “avocatória” típica dos Judiciários pressionados por regimes de exceção, o que não é o caso do Brasil. Sequer foi pleiteado o instituto da “federalização dos crimes”, até porque a Procuradoria Geral da República não foi acionada para investigar ou mesmo fiscalizar a investigação pela Polícia Federal e ainda que houvesse federalização dos crimes por fatos ligados às redes sociais, seria da Justiça Comum Federal de primeiro grau de jurisdição a competência , jamais do STF. Por isto chamo tudo isso de “procedimento inexistente numa Justiça incompetente”, dentro de minha liberdade de expressão com todo respeito aos que pensam diferente.
(2) Qual a natureza jurídica deste Inquérito determinado pelo Presidente do STF ao Ministro da mesma Corte,escolhendo-o como relator ? É caso de censura à liberdade de imprensa ?
Thales Tácito – Trata-se, no meu sentir, da “ressurreição”, já que estamos próximo à Páscoa, não do Filho Unigênito do Pai, que venceu a morte(pois ressuscitou na CARNE – amado apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15:20), mas “ressurreição” de um mecanismo anterior à CF/88 chamado de “procedimento judicialiforme”, que segundo o não recepcionado artigo 26 do CPP, consistia na possibilidade do Delegado de Polícia, baixando simples portaria, dar início à ação penal em contravenções penais(infrações liliputianas). No caso do STF, foi baixado por ato (portaria) da Presidência do Tribunal, baseado no artigo 43 do Regimento do Excelso Pretório que somente permite nos casos de crimes ocorridos na dependência do Areópago, não cabendo interpretação extensiva para todo o Brasil e para fatos genéricos (artigo 5º, caput do CPP). Ademais, o mencionado dispositivo do Regimento Interno do STF está contrário à Constituição da República de 5/10/1988, que aboliu o sistema inquisitivo de persecução penal para o sistema acusatório.
Assim, com o advento da CF/88, tal dispositivo 26 do CPP não foi recepcionado e foi expressamente revogado do ordenamento jurídico, pois a nova Carta Magna instituiu o chamado sistema acusatório ou princípio da oficialidade, onde há um órgão oficial do Estado que tem atribuição privativa para promover a ação penal, que é o Ministério Público.
Lado outro, se houve censura ? A maior já vista por minha geração, até com “ato falho” no sentido de que foi publicada a matéria mas que tratava-se a decisão de reparação de ato ilícito. Ora, censura prévia é uma coisa, outra é censurar publicação feita a pretexto de ilicitude inexistente, “fake news” que não se mostrou presente, invadindo casas alheias com buscas constrangedoras e determinando cancelamentos de redes sociais. A Carta Suprema é impositiva ao afirmar que “é livre a manifestac?a?o do pensamento”. Ainda no artigo 5°, cláusula pétrea, ainda proclama que “e? inviola?vel a liberdade de conscie?ncia” (artigo 5º, VI), sendo que ao tratar da ordem social, expressou que “a manifestac?a?o do pensamento, a criac?a?o, a expressa?o e a informac?a?o, sob qualquer forma, processo ou vei?culo na?o sofrera?o qualquer restric?a?o, observado o disposto nesta Constituic?a?o”, sendo “vedada toda e qualquer censura de natureza poli?tica, ideolo?gica e arti?stica” (artigo 220, caput e § 1º).
Este episódio de censura me lembrou o famoso caso do jornal estadunidense Washington Post, retratado no filme – “The Post-A Guerra Secreta”. O documentário fala da proibição da imprensa de divulgar documentos secretos dos EUA sobre a guerra do Vietnã, que a pretexto de ajudar os vietnamitas do Sul ou combater o comunismo, na verdade escondia o motivo de continuar numa guerra invencível aos americanos: não manchar a honra militar dos EUA. Com isto, milhares de jovens morreram deixando famílias inconsoláveis.
O episódio ainda contou com a parceria improvável entre Katharine Graham, do The Washington Post(a primeira editora feminina de um grande jornal americano) e o editor Ben Bradlee. 
O caso foi a Suprema Corte e a liberdade de imprensa venceu por 6×3 à Presidência dos EUA, sendo muito comovente o voto do Juiz Black, da Suprema Corte:
“Os pais da Pátria deram a imprensa livre a proteção que ela deve ter para que ela exerça seu papel essencial em nossa democracia. A imprensa deve servir aos governados e não aos governantes” (Caso Washington Post x Nixon).
Nem precisa dizer que Nixon se envolveu num escândalo posterior de corrupção – Watergate – e sofreu impeachment.
É importante conhecer a história porque todos os casos de censura à imprensa ou qualquer atentado à liberdade de expressão escondem alguma história de corrupção ou segredos que não desejam ser revelados. Mas o Evangelista Marcos já prenunciou ao nosso tempo a profecia de Jesus:
“Pois nada há de oculto que não venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia” (Marcos 4:22)
Portanto, ao meu sentir, a imprensa Crusoé/site antagonista foi injustamente amordaçada em virtude de defender os governados (povo) e não os governantes(no caso, o STF pelos membros Presidente e relator).
(3) Sabemos que a PGR determinou o arquivamento deste IP, mesmo sem ter tido contato com o mesmo ou provocada pelo STF nestes autos. O Exmo Senador Randolfe sustentou que: “A excelente decisão da PGR provavelmente será ignorada pelo relator”. Esta profecia do senador aconteceu, pois o relator afirmou não ser constitucional pedido genérico de arquivamento da PGR, sob argumento da titularidade da ação penal pública impedir qualquer investigação que não seja requisitada pelo Ministério Público. O que pode acontecer no Brasil, um colapso ou curto-circuito jurídico ?
Thales Tácito – o sistema sempre encontra anti-vírus, mas pela gravidade do que estamos assistindo, e perplexos, no meu sentir tal hipertrofia pode causar um indesejado efeito-colateral: um caso inédito a dar causa a pedido de impeachment de membros do Tribunal máximo do Judiciário por violação frontal da CF/88, pois se o sistema acusatório ou princípio da oficialidade impõe como regra que o titular privativo da ação penal é o MP, temos que a única exceção a este princípio seria a chamada “ação penal privada subsidiária da pública”, prevista no artigo 5º, LIX da CF/88 e artigo 29 do CPP, onde a vítima ou vítimas podem contratar advogados para promoverem “queixa crime substituta da denúncia” se não oferecida pelo MP. Contudo, para que esta exceção seja viável, necessário a desídia ou omissão do MP em oferecer a denúncia no prazo legal previsto em lei, JAMAIS QUANDO O MP EXPRESSAMENTE ARQUIVA O INQUÉRITO, como ocorreu no caso noticiado. E mesmo que seja tido como “genérico arquivamento”, o certo que ao final deste Inquérito judicial o MP terá a mesma posição, ou seja, o MP brasileiro já deu seu posicionamento institucional. É uma classe que está em jogo e o MP brasileiro não violará a CF/88, pois é o supremo fiscal da lei (custos legis).
Ademais, por amor ao debate, ainda que fosse aplicada pelas supostas vítimas-Ministros a saída por ação penal privada(exclusivamente privada), ainda assim estaria eivada de invalidade pela chamada “prova ilícita” e “prova ilícita por derivação”, prevista no artigo 5º, LVI da CF/88, no que chamo de teoria do fruto da árvore envenenada, já que não houve os meios oficiais de investigação policial mas sim um “procedimento judicialiforme às avessas”, não por um Delegado mas sim um juiz-Ministro, que perde sua imparcialidade para julgar o que investiga e ainda que se declare impedido para julgar, só por investigar tornou invalida toda prova, seja o primeiro ato instaurando investigação por juiz (árvore envenenada), sejam as demais provas por derivação(fruto da árvore envenenada).
Portanto, não há no sistema legal possibilidade alguma de prosperar este “procedimento inexistente numa Justiça incompetente” por ferir diversos dispositivos constitucionais, seja o sistema acusatório ou princípio da oficialidade, seja proibição de provas ilícitas ou derivadas destas, seja juiz natural, seja o próprio devido processo legal.
Se fosse na Alemanha, o caso seria rotulado como “Direito Penal do Inimigo”(Gunter Jakobs). O problema é que para aplicar a criação de um Direito Penal diferenciado, voltado para punir criminosos que se afastam do ordenamento jurídico e não oferecem garantias de que portaram-se novamente de acordo com a norma, retirando-lhes certas garantias constitucionais, tais restrições devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional, o que não aconteceu no Brasil, logo, se o sistema for alterado por ato do Presidente do STF e não por lei, haverá hipertrofia de poder em ofensa ao artigo 2º da CF/88 e neste caso não teríamos “investigados” mas “perseguidos”, em plena Democracia, coisa que nem a Ditadura ousou fazer, já que no regime de exceção fechou o Congresso e não o deixou aberto para assistir uma cena dessas, sendo imperioso o Legislativo assumir o controle da harmonia e independência dos Poderes.
Assim, como a posição do órgão máximo do MP não foi acolhida, o STF entrou num “labirinto obnubilante”: se continuar com esse “Inquérito judicialiforme”, não terá como um Ministro fazer “denúncia” dos eventuais crimes de ação penal pública, pois a titularidade é privativa do MP e por seu órgão máximo já se posicionou pela invalidade jurídica deste Inquérito judicial. Não cabe aplicar o artigo 28 do CPP, pois foi o órgão máximo do MPF que se pronunciou, não cabe ninguém falar além do órgão máximo. Lado outro, se resolve prosseguir e sair pela queixa crime – nos crimes de ação penal privada, contratando advogados, estarão todos impedidos de julgar e o feito deverá ir para Justiça Comum Federal(artigo 109, IV da CF/88), estando gravado com plena invalidade por ofensa à diversos dispositivos constitucionais, e os juízes federais são concursados e fiéis à CF/88. A ação penal privada seria rejeitada de plano (artigo 395 do CPP).
Importante destacar que esse fato ainda viola o Pacto Anti-corrupção e a Convenc?a?o Interamericana de Direitos Humano, pois sinaliza que “o abuso de controles oficiais a manifestac?o?es de pensamento ou difusa?o de ideias de qualquer pessoa humana implica violac?a?o aos direitos humanos. Para tanto, e? claro e preciso o texto convencional quando veda a censura pre?via a? liberdade de expressa?o e, ainda, restric?o?es ao seu exerci?cio por vias e meios indiretos, ‘tais como o abuso de controles oficiais’(nota da CONAMP, em defesa das prerrogativas do MP).
A única solução honrosa que vislumbro é o próprio STF, pelo Plenário, seja em recurso regimental, ou ADPF ajuizada, ou mesmo Mandado de Segurança de prejudicados, corrigir na CARNE este imbróglio jurídico e sanar – data venia – a teratologia do Direito, pelo próprio guardião da Constituição, o STF. O STF em humildade corrigindo o STF, para que não suceda coisa pior: impeachment de membros no Senado, pela pressão do meio jurídico, da grande maioria da imprensa nacional que repudiou censura inadmissível da Revista Crusoé/Antagonista e especialmente do povo brasileiro que já mostrou o poder nas ruas.
(4) Em que consiste esta “teoria do fruto da árvore envenenada”?
Thales Tácito – A doutrina dos frutos da árvore envenenada (em inglês, “fruits of the poisonous tree”) é uma metáfora legal que faz comunicar o vício da ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material a todas as demais provas produzidas a partir daquela. Aqui tais provas são tidas como ilícitas por derivação
A nomenclatura surgiu de um preceito bíblico, onde uma árvore envenenada jamais dará bons frutos.
Em Mateus:
“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim toda a árvore boa dá bons frutos, porém a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bom fruto, é cortada e lançada no fogo. Logo pelo seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:15-20)
Em Lucas:
“Não há árvore boa que dê mau fruto; nem tampouco árvore má que dê bom fruto. Pois cada árvore se conhece pelo seu fruto. Os homens não colhem figos dos espinheiros, nem dos abrolhos vindimam uvas. O homem bom do bom tesouro do seu coração tira o bem, e o homem mau do mau tesouro tira o mal; porque a sua boca fala o de que está cheio o coração” (Lucas 6:43-45)
A lógica da terminologia é a de que se a fonte da evidência (ou a própria evidência), ou seja, a “árvore” estiver contaminada, então tudo que for coletado/derivado (os “frutos”) estará contaminado também.
A teoria tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Siverthorne Lumber Co. vs. United States, em 1920, com o objetivo de coibir as provas ilícitas por derivação, a corte passou a proibir as provas lícitas contaminadas por ilegalidade.
A prova ilícita por derivação consiste naquela prova que, à primeira vista parece ser lícita, porém, tem seu surgimento através de uma prova ilícita anterior, ou seja, prova contaminada (derivada) por um meio de ato ilícito ou ilegal de obtenção.
O caso Siverthorne Lumber Co v. United States tratava-se de uma empresa que sonegava pagamento de tributos federais, foi então que agentes federais copiaram irregularmente os livros fiscais desta empresa como prova da fraude.
Chegando-se tal fato ao conhecimento da Suprema Corte, surgiu o questionamento se os atos ilegais poderiam ser admitidos no processo como provas.
Concluindo a Suprema Corte que se admitido tal fato, admitir-se-ia então a utilização de atos ilegais para produção de provas, estimulando os órgãos policiais a descumprirem a 4ª Emenda Constitucional, decidindo então pela inadmissibilidade das provas ilícitas. Porém este caso apenas dá início à “doutrina dos frutos da árvore envenenada”, e é somente no ano de 1939, no caso Nardone v. United States, que pela primeira vez há referência expressa ao termo “fruits of the poisonous tree”.
Porém esta não é uma teoria absoluta nos EUA, cabendo duas hipóteses de exceção para a admissibilidade das provas obtidas a partir de atos ilícitos, a primeira é “independent source” – fonte independente, ocorre se a relação entre a ação ilegal e a prova obtida for muito tênue; e a segunda é “inevitable discovery”- descoberta inevitável, ocorre quando a prova decorrente da ilícita pudesse ser inevitavelmente descoberta por outro meio legal, já que um fato pode ser objeto de várias provas, sendo estas ainda independentes entre si.
A doutrina é originária na realidade do princípio da regra de exclusão, “exclusionary rule”, baseado na 5ª Emenda Constitucional e do princípio do devido processo legal do direito norte-americano, que dispõe não ser admitida no processo qualquer prova que fira os direitos constitucionais do réu.
Foi adotada no Brasil pelo artigo 5º, LVI da CF/88 e especificamente no artigo 157 do CPP que se aplica ao Direito Eleitoral, ou seja, há um artigo preciso (interpretação analógica) – artigo 157, parágrafo 1º e 2º do CPP(conceito de provas “derivadas da ilícita”):
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
Mas vamos à sua pergunta propriamente dita.
Como vimos, o Inquérito instaurado pela Presidência do STF, na verdade, é um “inquérito judicial-policial”, logo, no meu sentir, é prova ilícita, o que podemos chamar de “árvore envenenada”(artigo 5º, LVI da CF/88).
Logo, o fruto dele(todas as medidas cautelares, inclusive absurda censura na publicação da Revista Crusoé e do site Antagonista, disfarçada de pretensa responsabilização(dentro de um IP inquisitivo, sem contraditório), também estarão invalidados, no que chamamos em Direito de “prova ilícita por derivação”(analogia ao artigo 157 do CPP com base no artigo 5º, LVI da CF/88), ou na linguagem poética-jurídica de “teoria do fruto da árvore envenenada”.
(5) O que isto significa ?
Thales Tácito – Esta teoria significa que o sistema acusatório, onde cada órgão do Estado tem função específica, tem ainda um “anti-vírus”: é INADMISSÍVEL a prova ilícita dentro do processo legal, desde o início da investigação até o julgamento final. Inadmissível é claro o suficiente para não ser sequer aceito nos autos.
Assim, o artigo 157, parágrafos primeiro e segundo do CPP(redação dada pela Lei 11.690/2008), traz a definição de “prova ilícita por derivação” (regulamentou o artigo 5º, LVI da CF/88 e serve para todos ramos do Direito pátrio).
Cumpre registrar que o artigo 32 da Constituição de Portugal tem tratamento diferente do artigo 5º, LVI da CF/88, no tocante à prova ilícita, pois em Portugal é tida como “prova ilícita nula”, ou seja, tem que ser declarada pelo Judiciário(pode até ser suprida se não causar prejuízo), enquanto no Brasil ela – a “prova ilícita (e derivada da ilícita) – é INADMISSÍVEL”(CF/88, artigo 5º, LVI – Constituição brasileira), ou seja, tida como inexistente, tem que ser desentranhada do processo, totalmente inválida, não se supre.
(6) Há algum precedente do STF sobre esta teoria do fruto da árvore envenenada?
Thales Tácito – Milhares. O primeiro precedente do STF em acolher a tese do “fruto da árvore envenenada” (prova ilícita por derivação) foi o RE 251.445-GO, Rel. Ministro Celso de Melo, STF: “a cláusula constitucional do due process of law encontra no dogma da inadmissibilidade de provas ilícitas uma de suas maiores projeções, sendo PROVA ILÍCITA E DERIVADA DA ILÍCITA DESTITUÍDA DE QUALQUER GRAU DE EFICÁCIA JURÍDICA”.
Diz ainda este precedente do STF: se a ilicitude resultar em transgressão do ordenamento jurídico “notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 – RTJ 163/709), MESMO QUE SE CUIDE DE HIPÓTESE CONFIGURADORA DE ILICITUDE POR DERIVAÇÃO (RTJ 155/508)…, vier ele ser concretizado por ato de MERO PARTICULAR”. Logo, até mero particular e não apenas órgãos oficiais podem causar a ilicitude a ser combatida pela teoria do fruto da árvore envenenada.
(7) o Doutor é especialista em Direito Eleitoral, foi o primeiro há dez anos atrás, na sua obra, a trazer a teoria do fruto da árvore para o âmbito eleitoral. Conseguiu algum êxito ?
Thales Tácito – Parcialmente. O artigo 175, parágrafo terceiro do Código Eleitoral deixou de ser aplicado e no lugar, depois de várias resoluções do TSE, acabou o legislador criando o artigo 16-A da Lei Eleitoral. Isto porque o candidato inelegível (inelegibilidade preexistente – exemplo, Ficha Suja) ou com falta de condição de elegibilidade concorria mesmo assim e os votos no final iriam para o partido. Agora não mais, pois os votos são “engavetados”(nulos, literalmente zerados) até o TSE decidir em no máximo embargos de Respe ou ROE, sobre o destino do candidato: se deferir o registro, assume o cargo, mas se manter o indeferimento, faz-se novas eleições (eleição majoritária) ou ”recalcula” o quociente eleitoral e partidário(eleições proporcionais-entenda-se “recalcular” como calcular o QE/QP sem os votos engavetados/zerados).
(8) Mas o Senhor disse “parcialmente”, qual a sua grande luta que ainda não vingou ?
Thales Tácito – Como disse, nos casos de registro de candidatura(AIRC), minha tese do fruto da árvore envenenada foi aplicada e gerou o artigo 16-A da Lei 9.504/97.
Porém, nos casos muito mais graves e que estão ligados à corrupção, como abuso do poder econômico, político, de autoridade, compra de voto, captação ilícita de recursos, DENTRO DA ELEIÇÕES PROPORCIONAIS (vereadores e deputados federais, distritais e estaduais), os Tribunais Eleitorais não têm aplicado a minha tese inédita da teoria do fruto da árvore envenenada, ou seja, mantém eficácia ao artigo 175, parágrafo quarto do CE que determina que APÓS as eleições, os votos vão para legenda no caso de ações que versam sobre abusos citados. Um absurdo! Se um partido investe num candidato a deputado corrupto, que do ponto de vista do registro está em perfeitas condições, mas sai comprando votos(artigo 41-A da Lei 9504/97), praticando abuso de poder econômico (artigos 19 e 22 da LC 64/90) ou fazendo gastos ilícitos(captação ilícita de recursos – artigo 30-A da Lei 9504/97), mesmo que a Justiça Eleitoral comprove que tal deputado (ou vereador) tenham agido dessa forma, se for APÓS as eleições, os votos dos corruptos vão para legenda, ou seja, assume ou o suplente do próprio partido ou da coligação (se o partido se coligou nas eleições proporcionais). Uma teratologia, porque se a “árvore”(candidato considerado corrupto) está contaminada pelo abuso e reconhecida em AIJE(ação de investigação judicial eleitoral) ou AIME(ação de impugnação de mandato eletivo), ou ainda pelas representações do 30-A ou 41-A da Lei Eleitoral, como pode o SUPLENTE do mesmo partido ou coligação se beneficiar dos votos(leia-se, fruto da árvore envenenada ) considerados ilícitos ?
(9) Qual a solução neste caso ?
Thales Tácito – Há mais de dez anos venho lutando que neste caso seja afastado (por não recepção pela CF/88) o artigo 175, parágrafo quarto do Código Eleitoral, que afrontou o artigo 5º, LVI da Carta Magna, para que, ao reconhecer o candidato a vereador ou deputado corrupto, APÓS as eleições, seja impedido que seus votos sejam dados ao partido ou coligação. Neste caso, far-se-ia apenas e tão somente para aquela cadeira vaga o recálculo do quociente eleitoral e partidário para saber quem assumiria o cargo de vereador ou deputado, não alterando as demais cadeiras pelo princípio da boa fé. Vale dizer: não haveria “dança” de cadeiras pelo recálculo global do quociente eleitoral e partidário com a anulação dos votos do corrupto, mas tão somente um recálculo específico para aquela cadeira específica do corrupto, pois assim, jamais um partido se beneficiaria com um candidato corrupto concorrendo. Seria uma enorme revolução no Brasil, porque de boa fé a Justiça brasileira acaba indiretamente permitindo a corrupção eleitoral, já que permite a “os votos derivados da ilicitude”, ou seja, que os votos do corrupto sejam dados ao partido (suplente do partido ou coligação), nos casos de eleição proporcional e julgamento após as eleições (lembrando que a maioria das ações eleitorais citadas concretizam após as eleições).
(10) Essas decisões da Justiça Eleitoral brasileira são de boa-fé?
Thales Tácito – Tenho absoluta certeza disto, a maioria esmagadora dos julgadores agem de boa-fé, não aprofundam no resultado de suas decisões e acabam sendo vítimas dos caciques partidários que agem de forma maquiavélica, pois sabem que o candidato corrupto pode ser descartável, já que os votos vão para legenda.
Além de ferir o princípio da moralidade(artigo 37, caput da CF/88), ofender a teoria do fruto da árvore envenenada(artigo 5º, LVI da CF/88), ainda há violação da Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 8º, e o Pacto anti-corrupção – tratados assinados no Brasil que reforçam a teoria do fruto da árvore (prova ilícita por derivação – votos obtidos ilicitamente não podem ir para legenda), bem como há violação ao Devido Processo Legal ou “rules of game”, ou seja, regras do jogo eleitoral que devem ser igualitárias, legais e morais.
Percebemos, assim, que nos casos de abusos em eleições proporcionais julgados após as eleições, quem ajuiza a ação está perdendo seu tempo, pois no final os votos irão para o próprio partido beneficiado com a corrupção, pois assumirá não quem promoveu a ação, mas sim o suplente do próprio partido ou coligação. E pior, a Justiça Eleitoral estará trocando “seis por meia dúzia”, porque fingiu que julgou uma causa mas tudo ficou como “dantes no quartel do Abrantes”. Neste caso, valerá a pena o partido lançar um corrupto para vereador ou deputado que tenha o registro de candidatura regular, pois em ações eleitorais que combatam o abuso quem perderá será o autor da ação, jamais o partido ou coligação que apenas substituirá seu corrupto originário por um suplente do mesmo partido ou da mesma coligação, se beneficiando da torpeza alheia.
(Pergunta final) O Dr acredita que isso poderá mudar um dia ?
Thales Tácito – Tenho absoluta certeza que minha geração não passará sem ver essa mudança na Justiça Eleitoral, foi a grande luta de minha carreira profissional no Direito Eleitoral. Em todas edições de minha obra “Direito Eleitoral Esquematizado”, SP, Saraiva, inclusive na última nas páginas 214 e 215, venho sustentando a não recepção do artigo 175, parágrafo quarto do Código Eleitoral (23 anos antes da CF), mas sim a aplicação da teoria do fruto da árvore envenenada na Justiça Eleitoral por força do artigo 5º, LVI da CF/88.
Sempre nos momentos de “Armagedom moral” temos o Cristo a nos iluminar, pois como disse, já que estamos na Semana da Páscoa, O CORDEIRO VENCEU A MORTE(se fez carne, morreu na carne e ressuscitou na carne), logo, é nosso dever vencer a corrupção e salvar as próximas gerações deste abençoado Brasil.

*Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, Promotor de Justiça e Eleitoral em Minas Gerais, professor, autor de obras jurídicas de Direito Eleitoral, palestrante de Tribunais Eleitorais, foi colaborador da Rádio Justiça e TV Justiça do STF, foi Vice-Diretor da Escola Judiciária Eleitoral do TSE. (CONAMP) 

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